Título: Equador vota Constituição do hiperpresidencialismo
Autor: Souza, Marcos de Moura e
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2008, Internacional, p. A11

Os equatorianos vão às urnas neste domingo para decidir se aprovam um projeto de Constituição de contornos socialistas, que amplia os poderes do Executivo e que, segundo críticos, institui um regime já apelidado no país de "hiperpresidencialismo". AP O presidente do Equador, Rafael Correa, em campanha ontem no país

Pesquisas indicam que cerca de 60% dos eleitores devem dizer "sim" ao texto, elaborado nos últimos meses por uma Assembléia Constituinte controlada por aliados do presidente Rafael Correa.

Correa, um economista de inclinação esquerdista com doutorado nos EUA, pode nos últimos dias ter conseguido ampliar ainda mais a margem de votos a favor depois que ordenou a expulsão da construtora brasileira Odebrecht do país, em razão de problemas nem uma hidrelétrica construída pela empresa. A medida, na avaliação de pesquisadores do instituto Cedatos-Gallup, pode ter sido bem vista por eleitores que aprovam ações duras contra empresas acusadas de causar danos ao país.

Correa tem aprovação na casa dos 70% e promete, com a nova Carta, reduzir a influência das velhas elites políticas na vida do país, ampliar os gastos sociais, acelerar reforma agrária e limitar a atuação da iniciativa privada, aumentando o papel do Estado na economia.

AP O presidente do Equador, Rafael Correa, em campanha ontem no país Críticos dizem que o projeto tem um espírito antimercado e que afastará investidores do país. O texto se alinha, em alguns aspectos, à Constituição elaborada há alguns meses pelo governo do presidente da Bolívia, Evo Morales, e ao projeto constitucional do venezuelano Hugo Chávez, rejeitado em referendo em 2007.

"A Constituição diz, por exemplo, que, se uma empresa não cumprir sua função social, poderá ser confiscada pelo Estado", diz a economista Dora de Ampuero, diretora do Instituto Equatoriano de Economia Política, centro de pesquisas com sede em Guayaquil, centro econômico do país e base da oposição a Correa. "Não está claro o que será a função social, mas o projeto abre espaço para que o governo intervenha em empresas que sejam acusadas de não oferecerem condições ideais aos trabalhadores ou que estejam em dívida com a Receita."

Pela nova Constituição, o governo central também teria o poder de estipular preços mínimos e máximos de alguns produtos hoje não regulados, como alimentos.

No campo político, o texto institui a reeleição, o que permite até dois mandatos de quatro anos. Com a aprovação da Carta, Correa deverá convocar novas eleições em fevereiro e se candidatar para o que seria seu primeiro mandato sob as novas regras. Assim, poderá se manter no cargo até 2017.

Outra mudança importante é a criação do chamado Conselho de Participação Cidadã e Controle Social, que terá voto no processo de escolha de altos funcionários de Estado, como procurador da República, promotores e magistrados da Justiça Eleitoral. Ao novo conselho caberá designar - junto com o Executivo e o Legislativo - os integrantes da Corte Constitucional que passará a ser a mais alta do país. "Esses quadros eram influenciados pelos partidos políticos tradicionais, o que era ruim. Mas essa influência vinha diminuindo", disse o advogado Juan Carlos Solines. "Agora isso muda: o Tribunal será formado por indicação do Executivo, do Legislativo e pelo conselho, todos muito influenciados pelo presidente. É o hiperpresidencialismo."