Título: Pré-sal: oportunidades e desafios
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2008, Opinião, p. A12

A indústria brasileira do petróleo seguiu trajetória de sucesso, assentada no consenso político obtido na década de 1950. Na infância, o monopólio permitiu criar a Petrobras, incorporando-a ao seleto grupo das majors petrolíferas. Atingida a maioridade, a liderança da Petrobras foi preservada no mercado doméstico, a empresa passou a explorar oportunidades abertas no mercado internacional e a ANP foi criada para dar transparência ao comportamento do nosso mercado petrolífero. O pré-sal anuncia que nossa indústria do petróleo caminha para a maturidade, devendo ocupar papel relevante no mercado global do petróleo. A preservação de consenso político será essencial para dar continuidade a esse sucesso.

As reservas do pré-sal não estão adequadamente estimadas, porém é certo que nossa produção de petróleo crescerá fortemente nos próximos anos. Ela saltará para cerca de 3,5 milhões de barris/dia em 2015, podendo evoluir para 5 milhões em 2020. Historicamente dependente de importações, o Brasil tornar-se-á exportador de petróleo. Essa trajetória sugere amplos benefícios, porém ela embute riscos que necessitam ser cuidadosamente avaliados.

O saldo comercial do petróleo será crescente. Caso o preço do petróleo permaneça no patamar de US$ 85 o barril, esse saldo saltará para cerca de US$ 30 bilhões em 2015, chegando a US$ 60 bilhões em 2020. O balanço de pagamentos, tradicional gargalo de nossa economia, deixará de ser um entrave para nosso crescimento. Entretanto, será necessário evitar que sejamos acometidos da doença holandesa, decorrente do mau posicionamento de nossa taxa de câmbio.

A receita fiscal do petróleo também será crescente, passando dos atuais R$ 60 bilhões para R$ 120 bilhões em 2015 e R$ 180 bilhões em 2020. Esse inesperado surto fiscal poderá tanto atender os legítimos anseios de justiça social (educação, saúde, habitação, saneamento) da população quanto prover recursos para investimento na infra-estrutura de suporte ao desenvolvimento econômico. Será preciso, no entanto, preservar a transparência na alocação dessa receita adicional, evitando a sua canibalização por grupos de interesses enquistados no aparelho do Estado.

Para extrair o petróleo do subsolo, os investimentos anuais serão crescentes, evoluindo para US$ 20 bilhões, em 2015, e US$ 25 bilhões, em 2020. Os fornecedores domésticos de bens e serviços para a indústria do petróleo terão que dobrar sua capacidade instalada na próxima década. Dezenas de milhares de empregos qualificados serão criados, oferecendo muitas oportunidades para jovens que chegam ao mercado de trabalho. Porém, serão necessárias políticas ativas nos planos industrial, tecnológico e educacional, para que esses efeitos indutores se cristalizem, como nos ensina a experiência norueguesa.

No plano internacional, o pré-sal abre a perspectiva de reposicionamento geopolítico mais favorável para o Brasil. Na América do Sul, o Brasil poderá promover a articulação do sistema energético regional de forma a valorizar as fontes energéticas com baixo custo de oportunidade, principal vantagem comparativa regional. A similaridade geológica com a costa ocidental africana sugere que nosso aparelho produtivo pode almejar a posição de pólo provedor de equipamentos e serviços para a indústria do petróleo daquela região. Na arena global, o Brasil terá condições de ofertar segurança para o suprimento dos países importadores de petróleo da OCDE. Apoiado pragmaticamente nesses elementos, o Itamaraty terá condições objetivas para demandar a ampliação da presença brasileira em fóruns internacionais.

O desenvolvimento do pré-sal será operado nos próximos 20 anos, por sucessivos governos. Como no passado, o sucesso dessa empreitada depende da continuidade de políticas de longo prazo, assentadas em consenso político. A polarização e o enfrentamento, tanto em nível doméstico quanto internacional, geram riscos de a riqueza petrolífera transformar-se na maldição do petróleo (corrupção, autoritarismo, cizânia regional).

Transformar o potencial petrolífero do pré-sal em riqueza econômica não é tarefa simples. Ela exigirá ambiente regulamentar capaz tanto de atrair os vultosos recursos financeiros necessários quanto de promover complexa articulação empresarial para fomentar o desenvolvimento competitivo da cadeia de suprimento de bens e serviços para a indústria do petróleo. Nessas tarefas, o Brasil não pode prescindir da liderança da Petrobras.

No entanto, o desafio do pré-sal, pela dimensão de seus efeitos econômicos, sociais e geopolíticos, ultrapassa as fronteiras da indústria do petróleo. É fundamental que o ritmo de seu desenvolvimento seja adequado à capacidade de absorção de seus efeitos pela economia brasileira. Ao anunciar a intenção de publicar um livro branco tratando do pré-sal, o governo sinaliza que pretende obter o consenso necessário para ajustar a expansão do pré-sal aos interesses da Nação brasileira.

Adilson de Oliveira é professor do Instituto de Economia/UFRJ.