Título: Bancos já estão mais seletivos com empresas
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Fonte: Valor Econômico, 26/09/2008, Finanças, p. C1

O momento é de cautela no crédito. Nas últimas duas semanas, com o agravamento da crise, foi amplificado o movimento de conservadorismo adotado pelos bancos brasileiros nos últimos meses. Com isso, os efeitos das restrições, que já eram sentidos nas linhas para pessoas físicas, começam a atingir também as empresas.

Os bancos afirmam que mantêm as concessões de empréstimos, mas começaram a reduzir os limites disponíveis para pessoas jurídicas e as renovações já embutem uma elevação das taxas de até 15%. Essa alta ocorre em parte como repasse do aumento do custo de captação para os bancos, mas também há aumento do spread de risco pela incerteza com a crise.

"As empresas sentiram um aperto de liquidez nos grandes bancos e já tiveram negadas operações que faziam de forma corriqueira, como antecipações de recebíveis e desconto de duplicatas", afirmou um diretor de crédito de um banco de médio porte.

Além disso, a falta de crédito externo trouxe para o mercado local as grandes empresas e multinacionais, ampliando a concorrência por recursos, afirma Marcos Henrique Echternacht, diretor de crédito do Banco Prosper.

Houve ainda um encurtamento dos prazos em praticamente todas as linhas. "O horizonte é mais incerto. Não sabe como a crise vai se desenrolar. Então, os prazos são encurtados para se ter opção na frente de renovar ou não a linha", afirma Cláudio Coutinho, presidente do Banco CR2.

"Empresas com caixa, que fariam determinado investimento, estão deixando de investir. Quem não precisa fazer urgentemente, sentou no caixa", afirma Ricardo Mello, diretor do Banco Máxima.

Outro segmento bastante afetado é o crédito à exportação, lembra Ivo Lodo, presidente do Banco BVA. Obviamente, esse processo terá impacto no avanço do crédito e pode atingir também o crescimento das empresas.

O segundo semestre é, historicamente, mais forte do que os primeiros seis meses do ano em termos de demanda por recursos. As empresas dependem dos empréstimos para rodar seus estoques de olho nas receitas de fim de ano. Essa sazonalidade vinha garantindo aos bancos, em julho e agosto, bons números de concessão no segundo semestre e conservando as metas de crescimento estipuladas pelas intuições financeiras no início do ano. Mas a desaceleração parece ter sido precipitada pelo agravamento da crise.

"O crescimento estava muito forte até junho, mas deve haver uma redução no segundo semestre", disse Silvio de Carvalho, diretor-executivo do Itaú. Os bancos reduziram a previsão de crescimento pela primeira vez no ano, segundo dados capturados pela pesquisa feita pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) na semana passada. A estimativa recuou de 25% para 24%.

Para o próximo ano já é esperada uma desaceleração ainda mais forte, disse Kedson Macedo, diretor-executivo de micro e pequenas empresas do Banco do Brasil. "Está todo mundo esperando para ver como a crise vai se definir e se haverá recursos de captação para fazer frente aos empréstimos no próximo ano. Mas a demanda no mercado interno deve se manter aquecida".

A incerteza diz respeito ao desenrolar da crise. Os bancos preferem ser mais cautelosos nesse momento e esperar para ver como o aguardado pacote de salvamento aos bancos americanos (bailout) irá impactar a liquidez mundial.

"Se o plano de salvamento não for aprovado no domingo, não haverá segunda-feira". A frase é do vice-presidente do Bradesco, José Luiz Acar Pedro, citada pelo diretor do departamento de pesquisas do banco, Octavio de Barros, durante apresentação para analistas, em Porto Alegre.

Por conta dessa expectativa, o mercado de crédito também sofreu. Além das restrições às empresas, as operações de varejo para pessoas físicas continuam com os prazos sendo encurtados, taxas e spreads em altas e com os bancos mais seletivos.

O diretor do Banco do Brasil ressalta que existe uma sobrecarga na pessoa física em relação à capacidade de pagamento. "O mercado usa como limite para a concessão 30% da renda comprometida com empréstimos e este patamar está perto de ser alcançado".

Em alguns segmentos, como o financiamento de veículos, já houve inclusive queda de demanda. "Registramos queda de 30% a 40% nas vendas, com as pessoas evitando os financiamentos", afirmou Mariana Vieira, gerente comercial da Eurobike, concessionária especializada em carros importados.

No Itaú, há uma preferência por linhas mais curtas e por veículos novos, disse Silvio de Carvalho. "Estamos mais seletivos".

Alexandre Mouri, gerente de produtos do Banco Real, explica que o próprio mercado se auto-regulou. "Os 99 meses não existe mais e estamos mais exigente com o valor dado de entrada".

O encurtamento dos prazo é uma conseqüência lógica nesse processo, afirma Milto Bardini, vice-presidente do BicBanco, e pode afetar a demanda creditícia. Para ele, o crédito ao consumidor, ao ser afetado, por um efeito que ele chama de "bola de neve", impacta toda a economia, já que reduz a demanda do comércio e por consequência, da indústria. "Esse crédito sustenta o comércio, que compra na indústria que nós financiamos".

O Banco Central antecipou para hoje a divulgação da nota de crédito com as informações sobre o mês de agosto, antes prevista para segunda-feira.