Título: Cresce custo do capital de giro
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Fonte: Valor Econômico, 26/09/2008, Finanças, p. C1

A crise no sistema financeiro internacional atingiu em cheio até mesmo o crédito em reais de curto prazo para empresas brasileiras. As linhas de capital de giro tiveram alta de custos de mais de 30% nas duas últimas semanas. "As linhas de crédito à exportação secaram, mas também percebemos um aumento no custo do capital de giro", afirma João Nogueira Batista, presidente-executivo (CEO) do frigorífico Bertin. Ele considera que, diante da dimensão da crise externa, "isso é mais do que natural".

O executivo diz que a falta de linhas externas hoje é semelhante à vivida na crise eleitoral de 2002, quando Nogueira Batista era diretor financeiro da Petrobras. "Mas, hoje, as empresas brasileiras estão mais bem preparadas e líquidas, depois da onda de emissões iniciais de ações (IPOs) e da rodada de alongamentos de dívida dos últimos anos", diz. Desta vez, no entanto, os investidores não estão fugindo do risco-Brasil. "A aversão ao risco é generalizada", diz. Por isso, neste momento, "ninguém faz nada, ninguém pensa em realizar transações de prazo mais longo".

A Buettner, indústria de cama, mesa e banho, sediada em Brusque (SC), estudava operações estruturadas como securitização de recebíveis para alongar o perfil do seu endividamento, mas já recebeu recomendação dos bancos para adiá-las. "Está tudo em banho-maria", disse João Henrique Marchewsky, presidente.

Ele diz ter tomado "um susto bem grande" ao perceber o aumento nas taxas de juros dos Adiantamentos de Contrato de Câmbio e Adiantamento sobre Cambiais Entregues, linhas de crédito à exportação de curto prazo. Há poucos dias, explica, a empresa pagava entre 6% e 7% ao ano nessas linhas. Mas, na quarta-feira, elas passaram a 16,5%.

Marchewsky destaca que já começa a haver restrição por parte dos bancos neste tipo de crédito. Ele disse já ter recebido comunicados de que alguns limites pré-aprovados em ACC e ACE não serão renovados. Em capital de giro, ele também já vê diferença nas taxas praticadas pelos bancos, que passaram nos últimos dias de 20% ao ano para 25%.

Na Predilecta, fabricante de atomatados e doces com sede em São Lourenço do Turvo (SP), a taxa de desconto aplicada sobre o adiantamento de pagamentos de duplicatas subiu entre 20% e 30%. "Até o mês passado, a taxa estava em 1,1% e agora passou para algo entre 1,3% e 1,4%", afirma Antônio Carlos Tadiotti, sócio. O grupo, dono de duas fábricas e uma processadora de alimentos, que deve faturar em torno de R$ 500 milhões este ano, é cliente do Banco do Brasil e do Bradesco. "Quem paga o preço (pela crise) é quem precisa de dinheiro, não tem jeito", diz.

A fabricante de doces Montevérgine, de São Paulo, também registrou aumento nas taxas cobradas para empréstimos. "Há uma exigência maior para liberação de recursos e mais questionamentos, que até pouco tempo atrás não existiam", afirma o diretor comercial, João Rafael Alterio. Segundo o executivo, nas próximas semanas a Montevérgine deve receber visitas dos representantes dos três bancos com quem trabalha - Itaú, Banco do Brasil e ABN Amro Real. Com os bancos, a Montevérgine vai buscar R$ 10 milhões no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para construção de uma nova planta.

A Cia. do Terno, uma das maiores varejistas de vestuário masculino do país, também teve aumento no custo das linhas de capital de giro. A empresa vem pagando mais caro nas operações de desconto de faturas de cartão de crédito. Nessas transações de recebíveis, o custo aumentou 32%, segundo Pedro Paulo Drummond, presidente.

"Há 90 dias, pagávamos juros de 1% ao mês e, agora, essa taxa está em 1,32%", diz o executivo e fundador da Cia. do Terno, que espera vender cinco milhões de peças neste ano e faturar cerca de R$ 90 milhões.

O volume de operações de desconto de faturas de cartão de crédito, de acordo com Drummond, soma R$ 4 milhões ao mês. "O risco aumentou bastante e em uma velocidade surpreendente", disse o presidente da Cia. do Terno.

"O dinheiro está mais caro na praça", concorda Emílio Bueno, presidente da rede de supermercados Econ, pertence ao grupo CBA, com 48 unidades em São Paulo, concentradas na Zona Leste e no Centro da cidade. As taxas para financiamento do capital de giro, que eram o Depósito Interfinanceiro mais 0,20 ponto percentual, subiram muito desde a semana passada. Agora chegam a até DI mais 0,60, 0,80 e até 1 ponto em bancos menores", diz o executivo. Segundo ele, fica claro que o motivo é a crise financeira dos Estados Unidos. "Mas não acredito que isso dure muito. Essa alta é uma reação dos bancos, para garantir a própria segurança", afirma Bueno.

Segundo ele, o mercado não vai sustentar essas taxas. A rede Econ, diz, não vai trabalhar com taxas mais altas. "Nosso planejamento financeiro foi feito para 12 meses, em junho", afirma. Segundo ele, até junho do ano que vem qualquer recurso que a empresa precisar "já foi programado". Os "reféns" das novas taxas bancárias, segundo o executivo, serão as empresas menores.

A Calçados Bibi, de Parobé (RS), financia cerca de um terço das vendas, estimadas em R$ 110 milhões neste ano, com recursos de terceiros. Até agora, no entanto, não houve alteração nas taxas cobradas pelos bancos em função da crise financeira internacional, disse ontem o diretor financeiro Rosnei Alfredo da Silva.

De acordo com ele, a empresa banca com capital próprio as vendas com 75 dias de prazo para pagamento e, acima disso, as taxas repassadas aos clientes mantêm-se entre 1,6% e 1,8% ao mês. O executivo informou que não houve restrição nas linhas de capital de giro tomadas pela fabricante de calçados infantis.

(Cristiane Perini Lucchesi, Vanessa Jungerfeld, Sérgio Bueno, Daniele Madureira e Danilo Jorge)