Título: Preço de compra dos ativos cria expectativa
Autor: Solomon, Deborah
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2008, Finanças, p. C5

A grande dúvida que pesava ontem sobre a proposta de um socorro financeiro de US$ 700 bilhões ao sistema bancário dos Estados Unidos é fundamental. Vai funcionar? A administração Bush diz que seu plano de comprar das instituições financeiras ativos atrelados a hipotecas, é a única maneira de fazer o crédito voltar a fluir no mercado. Sem ele, segue o argumento, os bancos não poderão emprestar e as empresas não poderão tomar emprestado para cobrir as folhas de pagamento, formar e manter estoques, construir novas fábricas ou contratar novos funcionários.

A proposta original foi elaborada para diminuir as pressões sobre as instituições financeiras, removendo ativos podres relacionados a hipotecas de seus balanços. Esses ativos perderam valor junto com a queda do setor imobiliário, abrindo rombos nos balanços das instituições financeiras e criando um clima global de desconfiança que está minando a capacidade dos bancos de levantar capital.

Sob a proposta de Bush, e as versões subseqüentes elaboradas pelos líderes do Congresso americano, o Departamento do Tesouro se oferece para comprar esses ativos. Isso daria às companhias dinheiro para substituir dívidas tóxicas, restaurando o capital, além da confiança que permite aos bancos tomar e emprestar dinheiro a condições razoáveis.

Mas antes mesmo das disputas partidárias terem frustrado o esforço para se chegar a um acordo na noite de quinta-feira, economistas e especialistas questionavam se ele iria funcionar.

Economistas e especialistas concordam que a compra de ativos problemáticos pelo governo ajudará a revelar a extensão das perdas das instituições financeiras, passo necessário antes que o setor financeiro possa se reconstruir.

Muitas instituições financeiras estão mantendo ativos em seus livros a preços irreais, em parte para evitar as baixas contábeis que as normas de contabilidade exigem quando ativos ficam debilitados. Como o mercado está congelado para esses ativos, as companhias vêm conseguindo evitar a marcação dos valores reais desses ativos na contabilidade.

Um dos fatores mais importantes na avaliação do plano de resgate tem sido um dos menos claros nas negociações até agora: Qual o preço que o Tesouro e os contribuintes acabarão pagando?

Alguns dos maiores bancos americanos passaram os últimos dias removendo de seus balanços os títulos que eles gostariam de vender para o governo e a que preços. Sem saber os preços que o Tesouro vai se propor pagar, os bancos não podem decidir com que agressividade vão se desfazer dos ativos problemáticos.

Altos executivos de bancos que detêm dezenas de bilhões de dólares em títulos que poderão ser qualificados para o plano de resgate, passaram a última semana fazendo lobby junto aos congressistas e funcionários do Tesouro. O objetivo é garantir que o programa não exija que os bancos baixem mais o valor contábil dos ativos para vender ativos.

"Seremos um participante ativo se isso for estabelecido direito", disse um executivo graduado de um grande banco de Nova York. "O diabo está nos detalhes aqui."

Com o Tesouro comprando esses ativos no mercado aberto, todas as instituições financeiras, participando ou não do programa, terão que refletir os preços do mercado em seus livros.

"O mercado para muitos desses ativos lastreados em hipotecas estão tão ilíquido que há pouquíssimas informações sobre preços por aí", diz Matthew Slaughter, reitor associado da Tuck Schoolf of Business de Dartmouth. ""Assim que o governo começar a comprar ativos, isso vai ajudar as próprias instituições financeiras, seus investidores e suas congêneres a entenderem melhor seus atuais balanços."

Peter Orszag, diretor do Departamento do Orçamento do Congresso, disse aos legisladores na quarta-feira que "a perda de confiança aumentou muito o custo da captação e da rolagem de dívidas, o que ameaça a solvência de todas as instituições financeiras".

Mas Robert Shapiro, um ex-conselheiro econômico de Bill Clinton e presidente do programa de globalização da NDN, um centro de estudos de Washington, disse que o programa esboçado pelo governo está voltado para o alvo errado. Em vez de comprar ativos, diz ele, o governo deveria fornecer dinheiro para as pessoas que enfrentam a execução de suas hipotecas, o que, antes de mais nada, impediria os ativos de estragar.

"Essa crise vai continuar enquanto o mercado imobiliário residencial não se estabilizar e o aumento das execuções de hipotecas reduzir o valor dos títulos lastreados em hipotecas", diz Shapiro.

Outra questão potencialmente espinhosa é se o plano vai oferecer a mesma ajuda para os bancos pequenos, que normalmente não compram os títulos hipotecários exóticos que estão no centro da bagunça que se instalou no mercado. Os grandes bancos que estão relativamente saudáveis também terão mais liberdade que os pequenos para se desfazerem dos ativos na venda ao governo.

"Os bancos com receitas mais diversificadas e bases de capital maiores, têm mais opções", disse Betsy Graseck, analista do Morgan Stanley, em uma nota de análise. Graseck disse que instituições como o Bank of New York Mellon, State Street Corp. e PNC Financial Services Group estarão melhor posicionadas para participar.

Executivos de alguns bancos pequenos acreditam que também poderão vender ativos ao governo. O Freedom Bank de Bradenton, na Flórida, por exemplo, espera vender certos empréstimos securitizados por imóveis ou imóveis adquiridos via execução de hipotecas. O banco vem tentando levantar até US$ 25 milhões em capital para cobrir as perdas esperadas.

"Qualquer ajuda é melhor do que nada", diz David Zeurn, diretor-presidente do Freedom Bank. "Não precisa ser para cada empréstimo que temos." Mas não está claro se o plano de resgate vai proporcionar um mecanismo de participação para bancos como o Freedom Bank. Grande parte das atenções está nos títulos lastreados em hipotecas, e não nos chamados empréstimos no atacado dos bancos menores.

Outro problema poderá vir das restrições à remuneração dos executivos dos bancos que estão vendendo ativos para o governo.