Título: UE ataca restrições à exportação de commodities e ameaça retaliar
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 29/09/2008, Internacional, p. A9

O comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, ameaça com quase uma guerra comercial para combater a "proliferação" de restrições a exportações de matérias-primas na economia global, que diz ser imposta por produtores como Brasil, China, Rússia, Ucrânia e Argentina.

A Europa, que importa entre 70% a 80% das commodities de que sua indústria necessita, aponta a existência de pelo menos 450 restrições a exportação de produtos, incluindo energia, metais, madeira, couro, químicos, cerâmica, têxteis e outros mais raros, que já afetariam sua vantagem competitiva.

Para Mandelson, a pressão pelos recursos globais está apenas começando a aumentar. Ele anunciará em discurso hoje a representantes da indústria e dos países-membros da UE que agora será uma prioridade da política comercial européia assegurar o acesso de sua indústria a commodities das quais ela é "criticamente dependente".

"A nova fase da globalização será definida pela pressão por acesso a recursos básicos", afirmará. E acenará com disputas na Organização Mundial de Comércio (OMC), a começar contra a China e sobretaxas antidumping contra produtos de países que impõem restrições e depois exportam a preços baratos para a UE. Além de negociação da proibição dessas restrições em acordos como UE-Mercosul e outras pressões internacionais.

Mandelson enquadra a questão das matérias-primas numa abordagem política e econômica mais ampla que a Comissão Européia adotou em relação a globalização e a economia européia.

Primeiro, a Europa é uma economia de criação de valor agregado. Em 2007, cerca de 70% de todas as importações da UE foram de produtos intermediários, para transformação nas indústrias dos 27 países-membros.

Além disso, o comissário leva em conta as mudanças que as economias emergentes já impuseram na ordem econômica global. "Isso é especialmente verdade com o forte crescimento da China e da Índia", dirá. "Essa mudança é de uso intenso de recursos, e numa escala enorme. Estamos numa corrida, e um dos maiores desafios que enfrentamos a nível global é gerir essa corrida para benefício mútuo."

Ele argumenta que as recentes altas de preços das commodities também produziram uma explosão de restrições à exportação que ele suspeita terem a ver não só com o combate à inflação interna, mas também com subsídios indiretos para os produtores locais.

Exemplifica que a Rússia agora impõe taxa de 50% na exportação de sucatas de alumínio e taxa proibitiva para a madeira, para manter o suprimento para a indústria russa. A Argentina taxa o couro em 40% e também taxou o trigo. A Índia impõe alíquota alta sobre a exportação de minério de ferro, o que leva a China, um de seus principais clientes, a se abastecer no Gabão. A própria China impõe taxa de exportação de 120% sobre fósforo amarelo e aumentou a taxa de coque em 40% para reservar o produto para suas siderúrgicas.

Mandelson diz que a indústria européia sente a pressão no abastecimento e nos custos desses materiais. Estima que as commodities representam um sexto dos custos dos produtos manufaturados na UE, chegando a 30% para as indústrias de plásticos, químicos e papel. "A imposição de uma taxa de exportação pode fazer uma companhia sair do mercado da noite para o dia", afirma.

O comissário acusa o "nacionalismo" aplicado a esses produtos de base de distorcer o comércio e de trazer riscos políticos, porque "convida a um ciclo de retaliações que é economicamente contra-producente, mas é politicamente duro de evitar". E acrescenta: "Porque a pressão sobre os recursos globais está apenas começando a aumentar, as autoridades não podem ignorar os efeitos indiretos de restrições ou politização dos mercados para abastecimento".

A UE cobrará da Rússia a eliminação das barreiras à exportação, se quiser entrar na OMC. E pode abrir um caso contra a China na entidade, provavelmente ao lado dos EUA. Para Mandelson, o comércio de commodities se tornará uma das questões principais na relação com a China.

Em seu discurso, o comissário reconhecerá que não há soluções imediatas para a questão das matérias-primas. Mas avisará que a Europa já identificou "a alavanca" de que dispõe para usar na pressão contra os parceiros.