Título: IDE ainda amortece impacto de remessas
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Fonte: Valor Econômico, 29/09/2008, Opinião, p. A10

Os impactos da crise financeira internacional na economia brasileira já se fazem sentir pelo canal do crédito externo, que nas últimas semanas se tornou caro e escasso. Investidores estrangeiros, principalmente os americanos, estão tirando dinheiro da Bovespa. Filiais de multinacionais, por sua vez, estão remetendo bilhões de dólares ao exterior para cobrir prejuízos e atender a demanda de liquidez das matrizes.

Segundo o Banco Central (BC), as remessas de lucros e dividendos somaram US$ 24,1 bilhões entre janeiro e agosto, face a US$ 13,3 bilhões no mesmo período do ano passado - um crescimento de 81%. Do total transferido ao exterior, 27,2% foram para os Estados Unidos, dez pontos percentuais acima do movimento registrado em 2007. Por causa dos bons resultados obtidos no Brasil, companhias estrangeiras já vinham remetendo mais este ano, mas as transferências se aceleraram com o agravamento da crise.

O aumento das remessas e o encolhimento do saldo comercial provocaram deterioração nas contas externas. Entre janeiro e agosto, o déficit em transações correntes chegou a US$ 20,6 bilhões, superando todas as expectativas do BC, que decidiu rever, para cima, a estimativa para todo o ano de 2008 - antes, apostava num saldo negativo de US$ 21 bilhões; agora, projeta US$ 28,8 bilhões.

Na avaliação do BC, as remessas continuarão pressionando as contas externas no próximo ano. A estimativa é que as empresas estrangeiras transfiram às sedes US$ 30 bilhões em 2009. No que diz respeito à balança comercial, o BC prevê redução no superávit de US$ 40 bilhões em 2007 para US$ 25 bilhões neste ano. Para 2009, projeta nova queda do saldo, além de um déficit em conta corrente de US$ 33 bilhões.

O Brasil está cobrindo o déficit externo com os dólares que entram no país pela via do investimento estrangeiro direto (IED). Mesmo com a crise internacional, o fluxo de IED permanece vigoroso. No ano passado, quando a crise americana já havia provocado seus primeiros estragos, o volume de IED direcionado ao mercado brasileiro chegou a US$ 34,6 bilhões, um recorde. Isto fez do Brasil o quarto maior receptor desse tipo de investimento no grupo das economias emergentes, ficando atrás apenas de China, Hong Kong e Rússia.

Diante do aumento da aversão global a risco, era de se esperar que, ao longo de 2008, os investidores diminuíssem o ímpeto, mas até agosto o ritmo de entradas continuava acelerado - US$ 24,6 bilhões em oito meses. De acordo com o BC, em setembro o fluxo de IED deve superar os US$ 5 bilhões. Com isso, a previsão oficial é que, no ano, o país receba um total de US$ 35 bilhões e bata novo recorde.

Se a projeção se confirmar, o Brasil mostrará que, embora não esteja imune à atual crise, está de fato mais forte e menos vulnerável a turbulências lá fora. É prudente, no entanto, não fechar os olhos para a crise, considerada pelos especialistas a mais grave desde a Grande Depressão, em 1929. Os fluxos de investimento podem diminuir num ritmo bem superior ao esperado pelas autoridades.

A Unctad, organismo das Nações Unidas voltado para comércio e desenvolvimento, informa que os fluxos de IED em 2008 já estão em franca desaceleração. Sua previsão, divulgada semana passada, é que ocorra no ano corrente uma retração de 10% no volume de investimento em todo o mundo. Um dos componentes importantes dos fluxos de IED, as fusões e aquisições de empresas, já teve redução de 29% no primeiro semestre do ano, quando comparado ao segundo semestre de 2007. A entidade acredita, no entanto, que as economias emergentes, como a brasileira, serão menos afetadas.

Além de ajudar a financiar as contas externas, o IED é um componente relevante na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) - o indicador que mede a taxa de investimento de uma economia - de muitos países. No caso brasileiro, o IED responde por 15% do FBCF. Uma redução no IED, associada ao colapso do crédito internacional e seus efeitos perversos sobre o crédito doméstico, pode esfriar a economia brasileira além do previsto. Nunca é demais lembrar que são justamente os investimentos das empresas em máquinas e equipamentos o componente que mais tem contribuído para a expansão do PIB.