Título: Persistem dúvidas sobre o futuro da bolsa
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Fonte: Valor Econômico, 29/09/2008, Finanças, p. C6

Os investidores estão aliviados com o fato de que Washington vem tentando resolver a crise financeira, mas também não estão certos de que o pacote será a solução para a falta de fôlego das bolsas. O motivo: temem que a economia, o sistema financeiro e os lucros das empresas podem enfrentar dificuldades nos próximos meses.

Em vez de ações, alguns administradores de investimentos em busca de uma aposta segura na integridade do sistema financeiro estão comprando títulos de empresas, como debêntures. A crise de crédito dificulta que as empresas captem recursos, o que significa maior rendimento para os investidores, pelo menos enquanto as empresas não forem à falência.

Muitos títulos avaliados como A ou BBB, ou seja, no patamar mais baixo do grau de investimento, rendem atualmente mais de 7%, apesar de os temores de concordata sistêmica terem diminuído.

Jack Ablin, diretor de investimento do Harris Private Bank, de Chicago, diz que para obter esse tipo de rendimento com ações, diante das cotações atuais, seria preciso uma alta de 12% ou mais no lucro das empresas, levando-se em conta a proporção atual entre cotação e lucro por ação.

"Por que assumir esse risco?", diz Ablin. "Prefiro garantir 7,1% com um título a torcer por um retorno de 7,1% a partir de um dividendo de 2% e a esperança de que a cotação suba 5,1%." Ele diz que os títulos de grau especulativo, ou "junk", também parecem atraentes, por motivos parecidos. De fato, os títulos "junk" têm rendido nos últimos dias quase dez pontos percentuais mais que títulos do Tesouro comparáveis, diz a Merrill Lynch.

A essa altura já é clichê dizer que a bolsa se movimenta em antecipação aos acontecimentos da economia. Geralmente ela começa a se recuperar meses antes da economia, já de olho na bonança futura. Mas alguns investidores se negam a comprar ações porque ainda não prevêem dias melhores e porque os títulos de empresas continuam tentadores.

Isso ajuda a explicar por que a bolsa fechou em queda a semana passada, com a Média Industrial Dow Jones acumulando uma baixa de 245 pontos, ou 2,2% para 11.143,13, mesmo depois de ter subido 121,07 pontos na sexta-feira.

Em tempos incertos, os proponentes dos títulos de renda fixa lembram aos clientes que, ao escolher investir neles, eles continuarão lucrando enquanto esperam que a bolsa se recupere, graças aos juros das debêntures.

"Teremos muita pressão sobre os resultados e isso é um cenário difícil para as ações", diz Kathleen Gaffney, uma das administradoras do fundo Loomis Sayles Bond. "O lado bom da renda fixa é que você recebe para esperar."

A idéia é que a crise financeira pode estar diminuindo agora, o que vai reduzir o risco de falência de empresas - especialmente bancos - mas não necessariamente aumentará os lucros. Enquanto as ações podem continuar em baixa, os detentores de títulos provavelmente serão pagos.

Gaffney tirou recursos de títulos do Tesouro, nos quais tinha investido por segurança, e os realocou em títulos com classificação de risco BBB ou A. Ela acha que o risco de calote diminuiu, especialmente quando você conta com vários títulos diferentes, e o rendimento está acima do normal.

Os setores que ela prefere são os que mais foram prejudicados pelo medo de calote, ou seja, empresas do setor financeiro ou de outros setores ligados diretamente aos altos e baixos da economia, como indústrias. E, atualmente, esses setores oferecem os melhores rendimentos.

"Estamos de olho nos bancos comerciais", disse. Ela não está comprando tudo, mas acha "que há alguns sobreviventes por aí que são bem atraentes". Ela ainda não está pronta para apostar que o pior já passou e continua com recursos alocados em dinheiro e títulos do Tesouro.

Outro grande problema com as bolsas atualmente é que as previsões de lucro dos analistas continuam altas demais. Os analistas prevêem que os lucros trimestrais das grandes empresas aumentarão em média 26% durante o primeiro semestre do ano que vem, segundo a Thomson Reuters. Esses números parecem fantasiosos, diz Ablin, do Harris Private Bank.

Ele não acha que a bolsa vá se recuperar tão cedo e prevê que o esfriamento econômico americano continuará. Apesar de a alta no custo do financiamento prejudicar as perspectivas de lucro, a maioria das empresas com grau de investimento conta com balanço sólido e ainda por cima seus títulos oferecem retorno convidativo.

O economista Steven Wieting, do Citigroup, diminuiu recentemente sua previsão de lucros das grandes empresas. Agora ele espera que os lucros caiam este ano e só cresçam 2,5% no próximo - o que definitivamente não é combustível para uma alta. Os economistas também estão diminuindo as previsões de crescimento econômico por causa da piora em indicadores como desemprego, vendas de casas, atividade industrial e outros.

Muitos administradores de recursos, como Gordon Fowler, diretor de investimento da Glenmede Trust, da Filadélfia, estão incentivando os clientes a manter mais caixa do que o normal, apesar da expectativa em torno do plano de resgate dos bancos proposto por Washington.

O aperto de crédito também atingiu o mercado de títulos municipais, aumentando cada vez mais o rendimento à medida que os investidores debandavam para a relativa segurança do dinheiro vivo e dos títulos do Tesouro.

Os analistas prevêem que as bolsas podem receber um empurrão quando o governo americano conseguir aprovar o plano de resgate, que políticos do Congresso já anunciavam ontem ser iminente. Além disso, o trimestre acaba amanhã, e alguns administradores de investimento que vêm guardando dinheiro vivo provavelmente comprarão ações porque seus regulamentos os obrigam a investir todo o capital. Isso também pode fornecer um apoio à bolsa.

No longo prazo, alguns analistas temem que qualquer alta nas bolsas neste momento se baseará mais num estímulo governamental artificial do que na sólida confiança dos investidores. Eles ressaltam que a atual baixa nas bolsas durou pouco menos de um ano e contou com declínios de cerca de 25% nos índices de ações. Isso é mais ou menos a média do mercado em baixa - e o abalo ao sistema financeiro desta vez foi muito maior que a média.

Muitos administradores de recurso esperam que as bolsas caiam novamente, enquanto aguardam um novo piso ainda mais baixo do que o atingido este mês. A força das bolsas no médio prazo pode depender de uma recuperação ou de uma queda ainda maior, como aconteceu depois das outras tentativas recentes do governo americano de resgatar bancos e corretoras.