Título: Presidente do BNP diz que 2009 será ano de transição
Autor: Carvalho, Maria Christina
Fonte: Valor Econômico, 29/09/2008, Finanças, p. C10

O presidente do Banco BNP Paribas no Brasil, Louis Bazire, acredita que os investimentos em infra-estrutura e as exportações de commodities vão garantir ao país um crescimento de 3,5% em 2009, mais do que a economia européia e americana. Marisa Cauduro / Valor Para Louis Bazire, presidente do BNP Paribas, investimento em infra-estrutura e exportações vão garantir ao Brasil crescimento de 3,5% no próximo ano

Segundo Bazire, os bancos europeus foram, até agora, relativamente menos chamuscados pela crise internacional do que os americanos, embora tenham sofrido mais na primeira onda. Em agosto de 2007, o BNP Paribas suspendeu três fundos por causa da crise das hipotecas de alto risco. Até agora, o banco teve perdas inferiores a US$ 4 bilhões.

Mas, Bazire, 53 anos, que presidente o BNP Paribas no Brasil desde novembro, e antes comandou por quatro anos o banco na Suíça, não espera que os bancos europeus ocupem o espaço dos americanos no mercado de crédito: "Não é tão fácil assim. O que está acontecendo contamina a todos".

A seguir, a entrevista:

Valor: Os bancos europeus se saíram melhor nessa crise do que os americanos?

Louis Bazire: A crise está atingindo mais bancos americanos neste momento mas não se pode dizer que os europeus não foram afetados, especialmente os que têm operações grandes nos Estados Unidos. Muitos bancos europeus tomaram providência já na primeira onda. O UBS, por exemplo, se capitalizou no início do ano. Na Alemanha alguns bancos regionais tiveram problemas no começo da crise. A segunda onda porém foi muito mais centrada nos Estados Unidos.

Valor: Quais são as diferenças entre as duas situações?

Bazire: O fenômeno dos bancos de investimento independentes como Goldman Sachs e Morgan Stanley, por exemplo, é uma realidade do mercado americano. Na Europa há mais bancos universais. O problema dos bancos europeus, agora, foi mais sistêmico do que causado pela exposição a ativos imobiliários.

Valor: Não há uma bolha imobiliária na Europa?

Bazire: Certos países europeus, como a Inglaterra e a Espanha, têm uma situação no mercado imobiliário que pode se complicar. Por isso o HBOS foi comprado pelo Lloyds Bank e o Northern Rock foi nacionalizado em fevereiro. Os dois são bancos especializados em crédito imobiliário. Os bancos espanhóis são bastante sólidos. Na França o crédito imobiliário sempre teve uma participação razoável dentro do crédito total.

Valor: O problema na Europa é então mais suave? Os bancos europeus podem ocupar o espaço dos americanos no crédito?

Louis Bazire: Não é tão fácil assim. O spread da taxa interbancária aumentou 10 vezes e está no nível mais alto em um ano. A liquidez está apertada. Se não houver certa calma, o mercado pode travar. O que está acontecendo contamina a todos. A quebra da AIG teria atingido todo o sistema bancário porque ela fazia seguro para várias operações de crédito.

Valor: Por isso os governos europeus hesitam em adotar medida como o pacote de ajuda aos bancos que os Estados Unidos montaram?

Bazire: A situação segue complicada mas exige menos intervenção do que nos Estados Unidos. O debate agora é como ajudar os bancos. Ninguém acha que devem quebrar, que o problema é deles. Quanto mais liberal o governo mais intervenção está fazendo. O que está prevalecendo é o pragmatismo.

Valor: Quando a situação vai se normalizar?

Bazire: O fator confiança é importante para a volta à normalidade desse mercado. Dar liquidez para as empresas fora do balanço dos bancos é importante nesse processo. Há um ano, as empresas obtinham metade do crédito que precisavam fora dos bancos, com a emissão de títulos como bônus e commercial paper. Agora, esse canal está obstruído e as empresas estão se voltando para o crédito bancário. Mas os limites de balanço são mecânicos e a desintermediação não voltará tão cedo em um futuro previsível. Vai levar muito tempo para algum banco voltar ao mercado com produtos empacotados como antigamente. Há muita desconfiança com esses produtos.

Valor: Quanto tempo vai levar?

Bazire: O ano de 2009 será um ano de transição. Se os mercados voltarem a funcionar com alguma normalidade, haverá um alívio. Com a desaceleração econômica, vai diminuir a necessidade de crédito e poderemos ter mais falências de empresas. Globalmente, as empresas estão ganhando dinheiro e a estrutura dos balanços parecem bem sólidos. Mas podem haver alguns setores mais problemáticos.

Valor: Como avalia a situação dos bancos brasileiros?

Bazire: Os bancos brasileiros não foram afetados pela crise das hipotecas de alto risco. A regulamentação brasileira é muito forte e ajudou a proteger o sistema bancário. Mas os exportadores estão com dificuldade de conseguir crédito para exportação; e os bancos que tomam dinheiro em dólares e vão ter dificuldade. O Brasil não é uma ilha, porém, e os bancos brasileiros estão sendo afetados porque fazem parte do sistema, levando os juros a subir.

Valor: O que espera para a economia brasileira?

Bazire: A economia brasileira deve crescer 3,5% em 2009. É menos que neste ano mas será o país menos afetado pela crise do que a Europa e os EUA porque produz commodities e está com grandes investimentos programados em infra-estrutura. Talvez o consumo cresça menos porque o crédito vai diminuir.