Título: Valorização do dólar pode gerar alta maior de preços no curto prazo
Autor: Bouças, Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 30/09/2008, Brasil, p. A3

A elevação do dólar causada pelas incertezas sobre a aprovação do pacote de ajuda do governo americano ao mercado financeiro piora o cenário de inflação no Brasil, pelo menos no curto prazo. O dólar, que nos 12 meses até agosto registrava queda de 16,75% frente ao real, reverteu a tendência e, em 12 meses até setembro, apreciou-se 7,2%. No mês, a alta atingiu 20,24% (fechando a R$ 1,9660 ontem). A variação supera a queda nos preços de commodities, como petróleo, de 16,53% no mês, e da soja (de 16,13%) e certamente pressionará os índices inflacionários de outubro, afirmam economistas.

"Neste momento o real está com uma depreciação bem forte e seu efeito deve se sobrepor à queda das commodities no curto prazo", afirmou Marcela Prada, economista da Tendências Consultoria Integrada, que prevê risco de aumento nos preços de bens comercializáveis (ligados às variações cambiais) no curto prazo, com repasses do atacado ao varejo. Para o médio e longo prazos, diz, o quadro inflacionário dependerá das reações de câmbio, commodities e atividade econômica no mercado interno. "Tudo depende de qual das variáveis terá efeito mais forte", disse. A Tendências traçou dois cenários, um otimista - com crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 3,8%, inflação de 5% e câmbio a R$ 1,70 em 2009 - e um pessimista, com PIB crescendo 2,6%, inflação de 6% e câmbio de R$ 2,15. Por enquanto, a aposta da consultoria ainda é no cenário otimista.

Flávio Serrano, do BES Investimentos do Brasil, também acredita que a alta recente do dólar contribuirá para que o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) alcance variação positiva entre 0,4% e 0,5% em outubro. Em setembro, o índice calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), registrou alta de 0,11%, após deflação de 0,32% em agosto. Em 12 meses, o índice acumula alta de 12,31%. Para o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), um dos itens do IGP-M, prevê alta entre 0,2% e 0,3%, ante deflação de 0,06% registrada em setembro. "A alta do dólar tende a exercer um efeito sobre os preços de produtos agrícolas e outros comercializáveis, que seria imediato no atacado e chegaria ao varejo em até três meses", afirma. Serrano pondera que o câmbio próximo a R$ 2 reflete o momento agudo da crise externa, mas pode baixar rapidamente se o pacote de ajuda do governo americano for aprovado.

Em setembro, a alta do IGP-M foi associada sobretudo à variação menos intensa dos preços agrícolas, que caíram menos no mercado internacional. O Índice de Preços por Atacado (IPA) no mês teve variação positiva de 0,04%, ante recuo de 0,74% em agosto. O IPA agrícola apontou queda de 2,09% (em agosto foi de 4,81%) e o IPA industrial, de 0,84% (similar ao 0,87% registrado no mês anterior).

Também nos preços do varejo, o grupo alimentação foi o único que apresentou taxa negativa, de 1,04% em setembro (ainda com repasse da queda dos preços agrícolas do atacado ocorrida em agosto), levando o IPC a registrar deflação de 0,06%. No varejo, os reajustes em preços administrados (como energia, telefonia, medicamentos) foram absorvidos totalmente até setembro e devem apresentar um risco a menos para a inflação em outubro, afirma Cristiano Souza, economista do Banco Real. Já o efeito do câmbio e das commodities para o mercado interno "terão de ser comprovados empiricamente". "Se o câmbio se estabilizar em R$ 2 haverá um efeito significativo no IGP-M, mas se a oscilação for de curto prazo pode nem ser repassada ao preços no mercado interno", diz Thaís Marzola Zara, da Rosenberg & Associados, para quem a alta do dólar pode ser compensada por quedas consecutivas nas commodities.

Fábio Romão, da LCA Consultores, considera que fatores internos também também exercerão pressão inflacionária, como a tendência de alta de carne bovina, leite e hortaliças, típica do fim de ano, e a forte demanda na área de construção civil, que fez o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) subir 0,95% em setembro.