Título: O esqueleto do Plano Verão assombra o Tesouro
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/09/2008, Opinião, p. A12

Está nas mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva o destino de mais um "esqueleto" produzido pelos planos econômicos do passado, que representa uma salgada conta para o sistema financeiro nacional, de até R$ 120 bilhões, no cálculo que inclui três planos econômicos. O principal caso refere-se às demandas na Justiça quanto à mudança de indexador das cadernetas de poupança introduzida pelo Plano Verão, de janeiro de 1989. Até o dia 16 de janeiro daquele ano, data da edição do plano, os depósitos em poupanças eram corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que no mês do plano acumulava 42,72%. O plano mudou o indexador para as Letras Financeiras do Tesouro, de 22,35%. A troca afetou quem tinha poupança com aniversário até o dia 15.

Passados 20 anos, os correntistas estão conseguindo recuperar judicialmente a diferença. Os Tribunais de Justiça dos Estados estão mandando os bancos pagarem a correção até os dias de hoje. Advogados de todos os cantos do país estão no rádio, TV e na internet conclamando os poupadores a procurarem os seus bancos para solicitar os extratos da época e, de posse deles, buscar a Justiça até dezembro, quando vence o prazo para entrar com a demanda na Justiça.

Preocupados, os dirigentes da Febraban alertaram o governo para a dimensão do problema e solicitaram uma ação coordenada, sistêmica, para interromper esse processo.

A troca de indexador afetou a poupança, mas foi aplicada tanto a ativos como a passivos. O poupador não recebeu a remuneração que considera ter direito, o mutuário do Sistema Financeiro da Habitação também não teve sua prestação corrigida pelo IPC e os bancos, nos seus contratos, não receberam nem pagaram o IPC. Assim, o plano, que pretendia evitar a hiperinflação aberta, manteve o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

A Advocacia Geral da União, encarregada de estudar uma saída, entende que uma possibilidade seria entrar no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação de Argüição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), assinada pelo presidente Lula. Esse expediente frearia, com uma única liminar, todas as decisões judiciais que estão determinando o pagamento das perdas, até que o STF julgue o mérito da causa. O ministro José Antonio Dias Toffoli, da AGU, disse ao Valor que não há decisão sobre o assunto e apontou como alternativa a ação ser impetrada pela própria Febraban. O presidente da Febraban, Fábio Barbosa, lembrou que o Plano Verão foi editado por uma lei federal. Aos bancos cabia cumpri-la, e assim o fizeram. Ao reabrir essa questão e provocar um forte desequilíbrio nos contratos daquela época, os poupadores vão produzir um buraco que alguém terá que cobrir para restabelecer aquele equilíbrio.

Os bancos devem se preocupar com eventual exigência do Banco Central para que façam provisionamento desse passivo, o que resultaria numa drástica diminuição do patrimônio de todo sistema e, por conseqüência, na redução das carteiras de crédito. Enquanto não há decisão sobre o que fazer, nem uma recomendação do BC, os bancos estão fazendo provisionamento em seus balanços na medida em que as ações na Justiça avançam.

Diante do tamanho do problema, o único com capacidade de coordenar uma ação geral é mesmo o governo. O caso do pagamento de um diferencial do FGTS subtraído também por um plano econômico, mediante um grande acordo patrocinado pelo governo FHC, guarda semelhança com o atual. Mas há uma dificuldade política enorme e compreensível para o governo agir.

Caberá ao presidente Lula assinar de próprio punho uma ADPF para proteger os balanços dos bancos, se essa for a solução jurídica aprovada. E, reconheça-se, bancos não são propriamente instituições populares para a maioria dos eleitores, que não vão necessariamente se inteirar da complexidade do tema. Lula pediu maiores estudos da AGU.

A Febraban, ciente de que os bancos são vistos pela sociedade como segmentos que lucram demais, também deve ter lá seus receios de não sensibilizar os ministros do STF com essa demanda. Dado o risco de que a sociedade seja chamada a pagar essa conta por meio do Tesouro, será muito delicado e oneroso para o contribuinte o governo se omitir nesse assunto.