Título: Em Maceió, prefeito é bom de voto e de forró
Autor: Totti, Paulo
Fonte: Valor Econômico, 30/09/2008, Especial, p. A14

"Perfeito é Deus; prefeito, Cícero Almeida". Com este slogan, José Cícero Soares de Almeida, PP, 50 anos, será reeleito no próximo domingo prefeito de Maceió e, se as pesquisas se confirmarem, receberá a maior votação proporcional entre os candidatos à administração das capitais de todo o país. Nas três últimas semanas, teve 78% das preferências do eleitor na pesquisa que lhe foi mais adversa e 81% na mais favorável, divulgada ontem à noite pelo Ibope. A secretária dos Direitos da Mulher no governo Fernando Henrique Cardoso, advogada Solange Jurema (PSDB), 59 anos, está em terceiro lugar, e na última semana caiu de 5% para 4%. Nas pesquisas anteriores, oscilava entre 2% e 4%. Mário Agra, do PSOL, companheiro de Heloisa Helena, tem de 1% a 2% dos votos (a ex-senadora concorre para vereadora, faz campanha nas esquinas e precisa de 20 mil votos, no minimo, para seu partido conseguir uma cadeira na Câmara. Para presidente em 2006, Heloísa teve 92,8 mil votos em Maceió, 24,5%). Robson Lima/Gazeta de Alagoas

Prefeito Cícero Almeida, do PP, tem a ajuda de Brasília para melhorar as praias de Maceió: "As verbas são do governo federal, mas as obras têm o meu dedo".

Cícero é um fenômeno eleitoral. Não tem o apoio do PSDB, partido do governador Teotônio Vilella Filho e do senador João Tenório (cunhado e suplente de Vilella, a quem substituiu no Senado quando este se elegeu governador). Não o apóia também o partido mais estruturado de Alagoas, o PMDB, de Renan Calheiros, que provavelmente sairá destas eleições em Alagoas com o maior número de prefeituras conquistadas (entre elas, a de Murici, onde Renan Filho concorre; em Maceió, Renan pai apóia Solange, sem entusiasmo). O presidente Lula, de cuja base faz parte o partido do prefeito, aparece no espaço do PT no "Guia Eleitoral" - como é chamado em Alagoas o horário de propaganda eleitoral da TV - mas o candidato de seu partido, deputado estadual Judson Cabral, só tem 6% nas pesquisas, superando Solange na última semana. Lula não chega a citar o nome de Judson. É uma gravação convencional, destinada à divulgação em todo o país com pedido de voto nos "candidatos afinados com as propostas do governo federal".

Num Estado e município que vivem quase literalmente de transferências constitucionais ou voluntárias de Brasília, Cícero se elege sem elogiar Lula - também não o ataca - e reconhece que as obras de saneamento de Maceió não têm dinheiro do município, nem do Estado, só da União. "Mas têm o meu dedo".

Apoio de Brasília Cícero só obteve do seu correligionário Márcio Fortes, ministro das Cidades, que, em duas aparições na TV, dá o testemunho de que o prefeito investe bem o dinheiro que recebe do governo federal.

"Quem está comigo é o povo", diz Cícero, e cita seu passado de contundentes vitórias. Em 2000, disputou a primeira eleição e elegeu-se vereador; em 2002, foi eleito deputado (o mais votado em Maceió) e em 2004, em segundo turno e com 56,54% dos votos, derrotou o candidato a prefeito Alberto Sextafeira, apoiado pelo então governador Ronaldo Lessa (PSB). Cícero é um dos poucos e importantes políticos de Alagoas que não tem parentescos com caciques políticos com origem nos canaviais, mas nas eleições que disputou contou com a ajuda do ex-governador, ex-presidente e hoje senador pelo PTB Fernando Collor de Mello e do usineiro e ex-deputado federal João Lyra (PTB), que, ao disputar, e perder, a eleição para o governo do Estado em 2006, registrou no TRE a segunda mais fornida declaração de bens entre os que tentavam eleger-se em todo o país (o mais rico era o deputado federal fluminense Ronaldo César Coelho, hoje no DEM). A companheira de chapa de Cícero como candidata a vice-prefeita é Lurdinha, filha de João Lyra (que também é pai de Teresa, a viúva de Pedro Collor). Com tais ligações, Cícero tem acesso a diversas fontes de respaldo, entre elas a dos principais grupos de mídia do Estado; jornal e TV Gazeta (de Collor) e O Jornal (de Lyra).

Como prefeito, Cícero construiu dois viadutos na cidade, melhorou as praias de `Pajuçara e Ponta Verde, pavimentou ruas da periferia e, segundo sua assessoria, logrou a interrupção da proliferação da filariose linfática (elefantíase), endêmica na região e transmitida pelo mosquito. Em todas essas iniciativas contou com verbas e cooperação federais, mas pouca referência a isso aparece na propaganda do prefeito. Estatísticas oficiais indicam que nas 300 favelas de Maceió existem 80 mil crianças sem escola. Cícero contesta. Segundo ele, que diz conhecer Maceió "casa por casa", não há tantas favelas na cidade, nem tantas crianças sem escola. Mas promete agora que haverá matrículas para todas. "O povo está dizendo que Maceió acertou e quer seguir em frente. Tenho compromisso com o povo e sei que é necessário fazer mais por quem mais precisa", escreveu no semanário "Extra", num direito de resposta de página inteira que obteve na justiça contra ataques de adversários.

Cícero não gosta de dar entrevistas, apenas aquelas que lhe interessam como candidato. Por isso prefere o rádio e a TV e não os jornais, "muito menos os de São Paulo". Também até aqui se nega a participar de debates com outros candidatos. " Estou debatendo diretamente com o povo a todo momento", diz. Sua popularidade, porém, advém mesmo do rádio e da televisão.

Cícero foi motorista de um carro de reportagem da rádio e da TV Gazeta (onde conheceu Collor, mas na época havia a distância entre empregado e patrão). Um dia fez um teste e foi aprovado como repórter de rua. No início só aparecia sua mão na tela, segurando o microfone. Depois, o corpo inteiro. Promoveram-no a repórter policial e, em pouco tempo tinha um programa no rádio e, depois, na TV. Programa policial, com os clichês e preconceitos próprios do gênero. O sucesso levou-o à política. Ao mesmo tempo, revelava-se no locutor uma outra vocação, a de cantor de forró. Ao final de seu primeiro mandato de prefeito, continua aparecendo na TV com freqüência e mantém um programa matinal de rádio, onde apresenta suas últimas gravações. Uma delas, a de maior sucesso, é a faixa 10 do CD "Prefeito forrozeiro", com o forró "Locadora de Mulher".

Acompanhado por zabumba, sanfona e triângulo, o prefeito com voz de barítono e razoável domínio de ritmo, descreve o estoque de um estabelecimento comercial "que tem mulhé do jeito que você quisé". Aceita-se cheque pré-datado, "o atendimento é vip e ninguém sai de cara feia". Entidades feministas, adversários políticos, e, especialmente, a candidata tucana, protestaram. Mas o desempenho do forrozeiro nas lojas, e nas gravações piratas vendidas nas ruas, é tão ascendente quanto o do candidato nas pesquisas.

Nas duas últimas semanas, Solange Jurema tentou uma reação. O próprio governador Teotônio Villela saiu no domingo em carreata pelas praias de Pajuçara, Ponta Verde e Jatiúca, num movimento que os marqueteiros tentaram definir como o "vira-vira-virou" cantado no mais recente jingle da candidata tucana. Até o governador José Serra, sem tempo para participar da campanha na capital de São Paulo, aproveitou sua estada em Maceió, ao lado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, onde foi participar da inauguração do Portal da Transparência - onde estão expostas as contas do Estado - para incorporar-se à campanha de Solange. Com o botton da candidatura tucana na lapela, Serra acompanhou-a numa panfletagem no Shopping Center Iguatemi, da Avenida Gustavo Paiva, no bairro das Mangabeiras. Aparentemente, o esforço foi em vão.

Reeleito, Cícero inclui-se entre os políticos alagoanos em condição de alimentar maiores pretensões. Seus assessores já falam em governador, vice, ou senador em 2010. O prefeito desconversa, mas não afirma categoricamente que quer levar seu novo mandato até o fim.. E já começa a dar sinais de autonomia, especialmente de João Lyra, que, por não ter mandato, pode ser um rival em qualquer cargo que Cícero ambicionar daqui a dois anos. Cícero, por exemplo, já estabeleceu diálogo com o senador Renan Calheiros, de quem nunca foi muito próximo e que é inimigo fidagal (ou mortal?) de João Lyra. O prefeito pretende manter sua aliança com o senador Collor, cujo mandato só expira em 2014, deixando de ser concorrente direito em 2010. Mas Collor poderá ser um aliado mais fraco se seu primo e 1º suplente de senador, Euclides Mello, não conseguir se eleger, como é provável, prefeito de Marechal Deodoro, ou seu filho, Fernando James Braz Collor de Mello, de 28 anos, tiver igual sorte em Rio Largo. Para participar da campanha dos dois, Collor licenciou-se do Senado e, como Euclides também se licenciou, assumiu Ada Mello, segunda suplente e também prima do senador titular. Em Marechal Deodoro, , Euclides é o terceiro nas pesquisas e Fernando James, filho de Collor com Jucineide Braz da Silca, é o segundo em Rio Largo.

Cícero, porém, tem três questões a resolver até 2010. O primeiro, é a disposição do Téo ( como é chamado o governador) de candidatar-se à reeleição. Se o fizer, será um aliado a menos para Cícero conquistar e um adversário respeitável. O segundo problema é Renan Calheiros, cuja força eleitoral está sendo testada nestas eleições. Renan percorre cinco municípios por dia em campanha - em vinte dias dá a volta no Estado - e retorna de todos eles com um sorriso que estava desaparecido de seu rosto desde os embates do primeiro semestre no Senado, quando perdeu a presidência da Casa. Renan quer reeleger-se senador e espera uma decisão do governador Vilella para decidir-se sobre quem apoiará para o Palácio República dos Palmares. Se não for Téo, certamente será Luciano Barbosa (PMDB), ex-ministro da Integração (governo FHC, indicado por Renan), prefeito de Arapiraca, a segunda cidade do Estado, e que também se reelegerá com mais de 70% dos votos. Enfim, são questões que a política alagoana, ainda dominada por velhos caciques - até os Faria, da família de Paulo César, o PC, voltam a ser influentes em pequenos municípios do norte do Estado - se encarregará de acomodar até o final da década, podendo ou não dar outro impulso à carreira do prefeito reeleito. Um acordo político sempre é possível.

O terceiro problema é o mais grave: O prefeito é um dos 109 indiciados da Operação Taturana, da Polícia Federal, que apurou milionárias operações financeiras na Assembléia Legislativa de Alagoas, Cícero é acusado de, durante seu mandato, fazer com que a Assembléia pagasse um empréstimo de R$ 120 mil feito em seu nome no Banco Rural. Dos 27 deputados, 16 estão envolvidos em expedientes como este e em outras fraudes mais graves. Ao todo 109 pessoas podem ser indiciadas, pois parentes e amigos dos deputados também estão implicados. Cícero afirma que fez o empréstimo a pedido do então presidente da Assembléia para repassar a um outro deputado. Sexta-feira passada, o delegado Janderlyer Gomes, da PF, confirmou que Cícero é um dos indiciados. Segundo se afirma em Maceió, durante quase uma década, deputados de todos os partidos envolveram-se em fraudes que podem atingir R$ 400 milhões. Onze deputados da atual legislatura foram afastados e substituídos por suplentes. Pelo que se observou até agora, o delegado Janderlyer e outros membros da Polícia Federal em Alagoas não se mostram dispostos a contemporizações.