Título: BC prevê diminuição de recursos ao Brasil
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 30/09/2008, Finanças, p. C8

A contração do crédito no exterior, provocada pela crise dos mercados americano e europeu, deverá reduzir a oferta de empréstimos no Brasil. Segundo o diretor de Política Econômica do Banco Central (BC), Mário Mesquita, 8% do crédito doméstico brasileiro é financiado com recursos externos. "Os efeitos da crise sobre o crédito interno não apareceram até agosto. Vamos ver daqui em diante", disse ontem o diretor, durante a divulgação do Relatório de Inflação. Foto: Ruy Baron / Valor Diretor do BC, Mário Mesquita promete mais liquidez, se necessário

Preocupado com a crise, o BC anunciou ontem que passará a divulgar, a partir de amanhã e todas as quartas-feiras, às 12h30, por meio de seu site na internet, o movimento de câmbio. Antes, essa informação só era liberada uma vez a cada quinzena. A data de corte será a sexta-feira anterior ao anúncio. "É para dar transparência", justificou Mesquita. O diretor disse também que, se julgar necessário, o BC voltará a dar liquidez ao mercado, como fez nas últimas duas semanas, independentemente das decisões da política monetária.

Em agosto, a oferta de crédito no mercado brasileiro cresceu 29,2% para pessoas físicas e 40,7% para empresas, quando comparada ao mesmo mês de 2007. O BC acredita que essas taxas de expansão diminuirão, respectivamente, para 22,5% e 25% no fim do ano, na comparação com todo o ano anterior. Na avaliação de Mesquita, a "acomodação" do crédito ocorrerá por causa da alta dos juros. Essa redução não leva em conta os possíveis impactos da crise internacional.

"A diminuição na oferta de crédito está tardando a acontecer, mas vai acontecer", afirmou o diretor do BC. Ele informou que as previsões e avaliações contidas no Relatório de Inflação foram fechadas em 12 de setembro, antes, portanto, dos eventos que agravaram a turbulência na economia americana - o socorro federal de US$ 85 bilhões à seguradora AIG e o anúncio do pacote de US$ 700 bilhões, do governo americano, para resgate de papéis podres.

Além do impacto sobre o crédito interno, a crise internacional já está afetando a oferta de recursos para financiar as exportações brasileiras. Mesquita informou ontem que, neste mês, a taxa de rolagem de dívidas do setor privado com o exterior está superando 100%, o que indica um quadro ainda favorável, mas a situação dos mercados se deteriorou muito nos últimos dias. Ele assegurou que, se for necessário, o Banco Central adotará novas medidas para dar liquidez ao mercado.

Na semana passada, o BC promoveu leilão de venda de dólares no mercado doméstico, para abastecer a carteira de câmbio dos bancos, retomando iniciativa que não adotava desde fevereiro de 2003. No primeiro leilão, foram vendidos US$ 500 milhões, com o compromisso das instituições financeiras em revendê-los ao BC no futuro.

A decisão foi tomada depois que o real sofreu súbita desvalorização frente ao dólar, o que voltou a acontecer ontem. Além do leilão de dólares, o BC flexibilizou o recolhimento compulsório dos bancos, permitindo alívio de R$ 13,2 bilhões. A medida foi adotada para ajudar principalmente bancos pequenos e médios. "Caso o BC julgue necessário, agirá", prometeu Mesquita, recusando-se a comentar proposta de exportadores, que sugeriram a utilização de recursos das reservas cambiais para fechar contratos de câmbio.

Ontem, antes de saber da rejeição do pacote pela Câmara dos Deputados dos EUA, Mário Mesquita reconheceu que a crise nos EUA é mais grave do que se imaginava e que ela pode estar se "deslocando" para a Europa, onde as economias já estão em recessão, assim como o Japão. "Parece que estamos vivendo o momento agudo da crise", disse ele, naquele momento, ainda contando com a aprovação do pacote americano. Mesquita observou que o pacote não resolveria todos os problemas da economia dos EUA, mas seria um passo importante para resolvê-los.

O diretor do BC disse que o Brasil não está imune à crise, mas, ao contrário de turbulências anteriores, tem condições de enfrentá-la com "serenidade, calma e tranqüilidade". "Estamos diante de uma situação bastante severa. Não tivemos nada parecido nos últimos 20, 30 anos", assinalou. Segundo ele, crises em países emergentes como Argentina e Turquia afetavam os fluxos de financiamento do Brasil. O quadro hoje é diferente. "Em meio à crise, que começou há um ano, o Brasil chegou ao grau de investimento e até acelerou o crescimento do PIB."

Mesquita explicou que o fato de ainda ter uma economia fechada e relações comerciais diversificadas torna o país menos vulnerável neste momento. A acumulação de reservas, que de janeiro de 2004 até ontem, cresceram US$ 160 bilhões, permite ao país, segundo o diretor do BC, "mitigar os impactos da crise financeira internacional". Em 2002, as reservas cobriam 65% dos compromissos vincendos do país com o exterior em 12 meses. Hoje, cobrem o equivalente a três vezes.