Título: Cavalaria falhou
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/09/2008, Investimentos, p. D1

Rumo ao desconhecido e com medo de uma quebradeira bancária. Essa foi a sensação do mercado após o pacote de socorro aos bancos americanos ser rejeitado ontem, em votação no Congresso dos EUA. Para ajudar, do outro lado do Atlântico, as notícias não eram nada boas. Pelo menos três instituições financeiras européias tiveram de ser resgatadas, o que mostra que a crise já afeta fortemente a região. A incerteza externa quanto à solvência do sistema financeiro mundial levou a uma corrida dos investidores para ativos mais conservadores. Resultado: o índice Bovespa chegou a ter seus negócios interrompidos por meia hora após perder mais de 10% e encerrou o dia com desvalorização de 9,36%, aos 46.028 pontos. O dólar voltou a testar a casa dos R$ 2,00, encerrando o dia a R$ 1,966, com alta de 6,21%.

Com a rejeição ao plano, o fio de esperança dos investidores de que a cavalaria americana viria salvar os mercados novamente foi por água abaixo. A situação inspira muita cautela, afirma Tatiana Pinheiro, economista do Banco Real. Para ela, a demora para se chegar a uma solução para o sistema financeiro americano só aumenta a probabilidade de um risco sistêmico, ou seja, de quebradeira de bancos, assim como aprofunda as perdas de riqueza, piorando as perspectivas de crescimento econômico mundial. Enquanto essa situação persistir, a tendência é de continuidade do movimento de aversão ao risco, avalia Alexandre Póvoa, economista-chefe da Modal Asset Management. "Ninguém vai sair comprando", afirma. E isso faz com que uma recuperação dos mercados esteja fora do horizonte de curto prazo. "O potencial de desvalorização dos ativos ainda é muito grande", acrescenta Póvoa.

Os analistas, no entanto, se recusam a trabalhar com outra hipótese senão a da aprovação do plano nesta semana. "Não existe a opção de não aprovação do pacote", afirma Ronaldo Patah, diretor de renda variável e multimercados da Unibanco Asset Management (UAM). Toda essa demora na busca por um consenso faz parte do jogo político, especialmente porque os republicanos do partido do presidente George W. Bush - os maiores responsáveis pela rejeição do plano no Congresso - estão perdendo intenções de votos, avalia. Mas Patah também espera que a razão prevaleça, com o pacote sendo aprovado até o fim desta semana. "Ninguém vai querer ser o responsável por colocar a economia em uma recessão mais profunda e, desta vez, não se trata de retórica", ressalta ele.

Mesmo que o plano saia, será preciso alguns dias de "normalidade" no mercado de dinheiro para que tudo volte a funcionar, avalia Patah. "Os bancos precisam voltar a emprestar, a liquidez precisa ser restabelecida", diz. E mesmo que isso aconteça, a recuperação da bolsa brasileira não será imediata, apesar de ela já ter antecipado muitos dos fatores negativos da crise, como o aumento do custo de capital das empresas, a desaceleração da economia, a queda nas receitas tanto por preços mais baixos como por volumes menores. Segundo Patah, o potencial de valorização da bolsa é de cerca de 50%, o que levaria o índice de volta aos 70 mil pontos. "A pergunta é quanto tempo levará essa recuperação; os estrangeiros não voltam tão cedo." Na visão dele, não há recuperação antes do fim de 2009.

Muitos analistas dizem que é justamente em momentos de pânico como os de ontem que as oportunidades de compra aparecem. Mas todos afirmam também que as ações que estão baratas podem ficar ainda mais baratas. O índice MSCI Emerging Markets, calculado pelo banco Morgan Stanley e que reúne papéis de empresas de países emergentes, caiu ontem 5,90%.

As ações ordinárias (ON, com direito a voto) da Vale fecharam ontem cotadas a R$ 33,80, uma queda de 12,20%. Já as preferenciais (PN, sem voto) série A caíram 12,14%, para R$ 30,30. Para que esses preços sejam corretos, seria preciso um desconto no minério de ferro da ordem de 50%, o que não é vislumbrado pelo mercado, diz Rodrigo Menon, sócio do escritório de aconselhamento financeiro Beta Advisors. Para ele, o investidor interessado em entrar agora na bolsa deve dividir o dinheiro em quatro tranches e aplicar aos poucos, sempre com foco na diversificação. Mas isso só vale para quem tem realmente apetite para o risco e tem visão de longo prazo - de pelo menos cinco anos. "Ainda assim, colocaria um percentual pequeno dos recursos em ações", diz. "Se o investidor decidir entrar nesse mar que já é turbulento por natureza, terá de ter muita calma, pois, neste momento, esse mar está em fúria", afirma.

Em momentos de pânico como este, os investidores perdem os parâmetros e vendem as ações sem olhar qualquer fundamento das empresas. "A crise de confiança está no sistema financeiro e não mais restrita a um país, como aconteceu em crises anteriores", lembra Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Way Investimentos e diretor do curso de Relações Internacionais da ESPM-RJ. "O sistema financeiro está em xeque e não vejo saída indolor para a atual situação", diz. Isso significa que o cenário ainda é de muita oscilação na bolsa.

Uma das grandes preocupações dos agentes econômicos se refere ao crescimento econômico do mundo. Se os Estados Unidos entrarem em recessão, mesmo que a China, Rússia, Brasil e África do Sul estejam em momentos extraordinários, não há como o mundo passar ileso, avalia. Sem falar que cada vez mais países da Europa dão sinais de que entrarão em recessão. "Não vejo como a crise pode não afetar o lado real da economia."

O momento é de privilegiar a liquidez, diz Fábio Alberto Amorosino, responsável pela área de gestão de recursos do Banco Alfa. "Oportunidades vão surgir, mas o investidor tem de aproveitá-las de maneira gradativa, não colocar todo o dinheiro de uma vez em um negócio", afirma. "Minha sugestão é aplicar apenas 10% do que se destinaria à bolsa", diz, acrescentando que esta não é hora para especular, mas de analisar o mercado.

Quem estiver com coceira na mão para aplicar em bolsa deve esperar até quinta-feira, quando deve haver uma nova tentativa de aprovar medidas de socorro nos EUA, diz Delano Marques, consultor financeiro do Banco Real Private Banking. "Hoje eu não mudaria a aplicação, o melhor é esperar, deixando o dinheiro parado na conta mesmo", diz. Segundo ele, as ações estão baratas e as empresas brasileiras ainda devem entregar bons resultados. "Mas os estrangeiros não param de sair e os investidores locais cansaram um pouco de ouvir que a economia ia bem e as ações continuavam caindo", diz. "Não recomendo vender ações agora; se o pacote nos EUA sair, esse mercado deve recuperar pelo menos parte das perdas." (Colaborou Angelo Pavini)