Título: Dólar em alta pega empresas no contrapé
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/09/2008, Investimentos, p. D3

Seria difícil escolher um dia pior para fechar o balanço do terceiro trimestre. As companhias terão que ajustar dívidas e aplicações financeiras em moeda estrangeira ao câmbio da crise. E a correção não deve ser pequena. Davilym Dourado / Valor

Lika Takahashi, da Fator: problema à vista, com aumento do custo do dinheiro

O dólar teve alta de 23% de junho a setembro, a maior valorização trimestral desde 2002. Somente ontem, dia em que o legislativo americano negou o pacote emergencial para socorrer o sistema financeiro americano (e global), a moeda teve alta de 5,4% e fechou bem perto dos R$ 2,00. Salto assim num só dia não se via desde a maxidesvalorização do real, em 1999.

Em junho, a dívida líquida das companhias abertas brasileiras, excluindo as gigantes Petrobras e Vale do Rio Doce, estava em R$ 40,7 bilhões. Esse valor já refletia um aumento de 11,2% frente a março. A expectativa é que haja, agora, um novo crescimento desse valor, fruto da correção da parcela da dívida das empresas que estiver indexada em moeda estrangeira. A despesa financeira das companhias, com isso, ficará provavelmente mais salgada, comparada a perda de R$ 650 milhões do segundo trimestre- que havia sido a menor em 12 meses.

"Haverá um efeito contábil significativo", acredita Lika Takahashi, chefe de análise da Fator Corretora. O efeito é escritural e não de saída de caixa, pois deve-se ao ajuste de conversão do valor correspondente da dívida em dólar para reais. Porém, somente há impacto no caixa na hora do vencimento da dívida.

O problema que se comenta no mercado é que as companhias estavam menos preocupadas com a questão do dólar e pelo menos uma parte dos vencimentos em moeda estrangeira pode estar sem proteção - ou seja, ao sabor das oscilações de mercado.

Prova do quão tranqüila as empresas estavam em relação ao comportamento do câmbio foram as apostas na baixa da moeda realizadas por Sadia e Aracruz, com caráter especulativo, e que levaram as companhias a perdas significativas.

Quem não tentou ganhar com apostas em derivativos, mas também não se protegeu, amargará efeitos negativos no balanço - ainda que não signifiquem saída de recursos.

Algumas das companhias que divulgaram nota para acalmar os investidores - negando exposição a derivativos "exóticos" - já anteciparam os efeitos negativos sobre as dívidas expostas ao câmbio. A Perdigão, por exemplo, pode sofrer um ajuste de R$ 140 milhões a R$ 150 milhões. Já o frigorífico Marfrig deve apresentar impacto negativo de R$ 200 milhões.

João Nogueira Batista, presidente do frigorífico Bertin, destacou que o impacto negativo da alta do dólar no balanço das empresas que têm dívida em moeda estrangeira ocorre num primeiro momento. "É uma fotografia em um momento específico", disse. No caso do Bertin, a situação é confortável, afirmou. A companhia está com R$ 1,8 bilhão em caixa e "ligeiramente comprada" em dólar. "O conservadorismo só é valorizado em momentos de crise."

Para Lika, da Fator, o maior problema virá mais à frente, resultado do aumento do custo do dinheiro. O crédito deve ficar significativamente mais caro. O quanto ninguém ainda consegue definir neste momento, diante das instabilidades externas. Por conta disso, a despesa financeira será abalada por um serviço de dívida mais alto, aí sim com efeito caixa.

Com o cenário de restrição de crédito e custo mais caro do dinheiro, a expectativa é que as empresas reduzam projeções de crescimento e investimento. "Minha maior preocupação é com o efeito real, já que a palavra de ordem é prudência e as companhias tendem a diminuir suas expectativas de gastos com expansão."

Régis Abreu, sócio da gestora de recursos Mercatto, destacou que a discussão sobre endividamento e custo de capital, que esteve tão fora de moda com a gritante liquidez do ano passado, voltará a ser importante.

Segundo ele, a mudança de parâmetros com o novo patamar de dólar será importante e deverá extrapolar a questão da dívida. "As companhias que têm custos afetados por importação também sofrerão mais à frente."

Ele ponderou, porém, que a bolsa de valores brasileira - Índice Bovespa - reflete especialmente as companhias exportadoras. Boa parte das principais ações são de companhias exportadoras, que devem se beneficiar da moeda americana mais cara. "Quem não perdeu com derivativos, deverá ganhar com isso."

Nogueira Batista, do Bertin, também acredita nos reflexos positivos para as exportadoras no médio e longo prazo. "Os ganhos serão maiores do que as perdas para quem tem receitas em dólar."

Além das exportadoras, o indicador da bolsa têm presença relevante de companhias de bancos, que também não deveriam ser substancialmente afetados pela alta da moeda americana. (Colaborou Cristiane Perini Lucchesi)