Título: Brasil perde no Clube de Paris
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2008, Finanças, p. C1

Pouco mais de dois anos após ter quitado suas dívidas com o Clube de Paris, o Brasil passou para o outro lado do balcão e, tal como seus antigos credores governamentais, agora tenta recuperar dinheiro emprestado a países que ficaram inadimplentes perante os demais.

Entre as nações que negociam reestruturação e abatimento de dívida externa no âmbito do Clube, nove ainda têm débitos com o Brasil, no montante de US$ 472,58 milhões.

A informação é do Ministério da Fazenda. Devido à situação dos devedores, no entanto, o ministério sabe que não pode contar com o retorno desses recursos, pelo menos não na sua integralidade. O Iraque, por exemplo, que deve ao Brasil pelo menos US$ 95,7 milhões, conseguiu do Clube de Paris um perdão de 80% da dívida.

O Brasil, que é apenas convidado observador do Clube, defendeu, perante os membros do grupo, um abatimento de no máximo 50%. Ainda assim, o Ministério da Fazenda recomendará ao Senado a adesão brasileira ao acordo. Na visão do governo, tratando-se de países em situação de instabilidade institucional, política e econômica, como a do Iraque, qualquer tentativa de acordo bilateral - ou seja, diretamente com o devedor - seria infrutífera. "As negociações no Clube de Paris são nossa única esperança de receber alguma coisa", diz uma fonte da Fazenda, referindo-se ao conjunto dos nove devedores. Antes de ser submetida aos senadores, a proposta de 80% de perdão para a dívida do Iraque com o Brasil ainda dependerá de entendimento prévio sobre o montante do débito, esse sim objeto de discussão bilateral.

O ministério lembra que, embora altos, os percentuais de desconto não são concedidos aleatoriamente pelo Clube. Ao contrário, são sempre fruto de estudos do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a capacidade do país inadimplente de retomar o pagamento de sua dívida.

Funcionando como órgão técnico de apoio, o FMI faz o estudo, recomenda o percentual, que pode ou não ser adotado pelo Clube, hoje composto por 19 países. Uma vez tomada a decisão pelo grupo, "resta aos países convidados como observadores adotar o mesmo modelo ou tentar, possivelmente em vão, uma negociação bilateral", explicam técnicos da Fazenda.

Outra nação que renegociou sua dívida com os credores governamentais do Clube de Paris recentemente foi o Gabão. O país pediu 30% de desconto. Levou 15%. Esse caso, no entanto, não segue o padrão dos demais. Segundo o Ministério da Fazenda, ao contrário dos nove que ainda negociam sua dívida com o Brasil no âmbito do Clube, o Gabão não chegou a ficar inadimplente. Tampouco foi considerado incapaz de pagar seus débitos pelo FMI. O desconto de 15%, nesse caso, foi motivado pela antecipação de pagamentos. Com o Brasil, por exemplo, a dívida previa pagamentos até 2020.

Tal como o do Iraque, o caso do Gabão também precisa ser submetido ao Senado. Na prática, o Brasil já recebeu a sua parte nos 85% pagos pelo país aos membros e observadores do Clube de Paris. O dinheiro, US$ 25 milhões, foi depositado em favor do governo brasileiro no Banco do Brasil de Nova Iorque e será internalizado após cumpridas todas as exigências legais, entre elas a aprovação do processo pelo Senado, informa o Ministério da Fazenda.

Desde que o presidente Lula tomou posse, em 2003, o Brasil já concedeu perdão parcial de dívida a três países amparados por negociações com o Clube de Paris. O primeiro foi a Bolívia, que em 2004 conseguiu abatimento de 95,69%, sobre uma dívida então de US$ 58,8 milhões. O valor remanescente, cerca de US$ 2 milhões, foi pago ao governo brasileiro em imóvel, mais especificamente, com a dação em pagamento da sede da Embaixada do Brasil em La Paz.

No mesmo ano de 2004, foi acertado também um desconto de 95% para Moçambique, que devia ao Brasil US$ 331,6 milhões. Os R$ 16,5 milhões que permaneceram como débito serão pagos até 2024.

Em 2005, foi a vez da Nigéria, que devia ao Brasil US$ 151,9 milhões. Seguindo a decisão do Clube, o governo brasileiro concedeu um perdão de 53% aos nigerianos. Com isso, remanesceram US$ 71 milhões, já quitados ao longo de 2006 e 2007.

Todos os três processos já passaram pelo Senado. Tanto nos antigos quanto nos casos em negociação, a origem da dívida com o Brasil é, quase sempre, o financiamento à exportação, concedido por intermédio de programas governamentais de apoio ao comércio exterior, como o Proex e o antigo Finex.

A concessão de abatimento nas renegociações de créditos brasileiros com países menores e mais pobres tornou-se possível a partir de junho de 1998, com a aprovação da Lei Federal 9.665. O Poder Executivo propõe e o Senado referenda ou não o acordo, mediante resolução.

O Clube de Paris se reuniu pela primeira vez , como um foro credores, em 1956, por iniciativa do governo francês. Hoje, além da França, são membros do Clube Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, Holanda, Irlanda, Itália, Japão, Noruega, Reino Unido, Rússia, Suécia e Suíça. O governo brasileiro acompanha os processos como credor eventual ou observador.

Como devedor, o Brasil reestruturou sua dívida com o Clube pela última vez em 1992. Na ocasião, o Clube permitiu que fossem reescalonadas inclusive dívidas que já tinham sido objeto de reestruturações anteriores. Daí em diante, os pagamentos ao Clube se regularizaram, terminando em 2006.