Título: Desaceleração global afeta investimento, diz Pastore
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 01/10/2008, Brasil, p. A3

A economia brasileira vai sofrer os efeitos da desaceleração da economia global, e a perda de fôlego do Produto Interno Bruto (PIB) "ocorrerá predominantemente à custa dos investimentos", acredita o ex-presidente Affonso Celso Pastore. Em relatório de sua consultoria, a A.C. Pastore & Associados, ele destaca que "déficits crescentes nas contas correntes com a queda de investimentos diretos e em ações, ao lado do recuo de preços de commodities, depreciam o câmbio real, o que desestimula os investimentos". No Brasil, segundo ele, as inversões são "extremamente dependentes de importações". O ex-presidente do BC também analisa o efeito de uma alta do dólar sobre as contas externas, mostrando que a desvalorização do câmbio "necessária para manter os déficits nas contas correntes em limites compatíveis com os ingressos de capitais" não é das maiores. Davilym Dourado/valor

Pastore: investimentos no Brasil são muito dependentes de importações

Pastore faz sua análise com base na premissa de que "alguma forma de resgate" ao sistema financeiro americano será aprovada. No entanto, mesmo com um esforço nesse sentido, ele diz que haverá "um processo de "desalavancagem" no sistema financeiro mundial, durante o qual ocorrerá um encolhimento do crédito, contribuindo para desacelerar ainda mais o crescimento econômico mundial, que já vem mostrando uma redução".

O economista lembra que o "Brasil beneficiou-se da aceleração do crescimento econômico mundial nos últimos anos", devendo sofrer uma desaceleração se a expansão global perder fôlego. No relatório, Pastore mostra que existe uma "correlação positiva entre as taxas de crescimento brasileiro e mundial, que no período de 1970 a 2007 é de 0,56, diferindo significativamente de zero". Ele observa, porém, que isso é mais uma "indicação da direção na qual as variáveis devem se mover do que da intensidade dos efeitos".

Pastore diz que o impacto maior sobre o país se dará pelo canal dos investimentos. "No Brasil, a elevação da formação bruta de capital fixo [FBCF, que mede o que se investe na construção civil e em máquinas e equipamentos] é muito dependente das importações." Segundo ele, nos últimos anos a forte expansão global e a alta das commodities levaram à valorização do câmbio real, barateando importações e o custo de bens de capital e, com isso, favorecendo investimentos.

A contrapartida tem sido a deterioração das contas correntes (as transações de bens e serviços do país com o exterior), que ocorreu simultaneamente a uma apreciação do câmbio porque "o mundo estava disposto a financiar esses déficits com investimentos estrangeiros diretos e em ações e porque houve uma forte elevação dos preços das exportações brasileiras, derivado da alta das commodities".

O quadro atual, contudo, é outro. "O encolhimento do crédito e a desaceleração do crescimento mundial reduzirão o apetite para investimentos diretos e em ações", diz ele, num cenário em que se projeta a diminuição de outros fluxos de capitais. Com o tombo no ingresso de recursos estrangeiros e o recuo das commodities, "o câmbio real deverá depreciar-se". É uma desvalorização bem vinda para os exportadores, nota Pastore, mas que "encarece as importações de máquinas e equipamentos, que direta e indiretamente entram na FBCF, desacelerando o crescimento". Nos últimos anos, segundo ele, "foi o aumento da FBCF que mais contribuiu para as taxas de crescimento do PIB". Nos 12 meses até junho, o investimento cresceu 15,5%, enquanto o PIB avançou 6%.

Outro ponto destacado por Pastore é que o investimento também vinha se beneficiando da expansão do mercado de capitais, que, por sua vez, se favorecia da entrada de recursos estrangeiros na Bolsa. Num momento de crise, esses fluxos tendem a diminuir.

O ex-presidente do BC também acha que o Brasil deve receber um volume menor de investimentos estrangeiros diretos daqui para frente, embora o país esteja numa posição vantajosa em relação a outros emergentes, devido à "qualidade do ajuste no balanço de pagamentos e à desdolarização da dívida pública". O ponto é que haverá uma redução do fluxo global de investimentos diretos e, ainda que o Brasil fique com uma fatia maior, o "bolo" total deve sofrer um "encolhimento sensível", afetando o volume de recursos que caberá ao país. O resumo da história? "Não há como quantificar todos esses efeitos e muito menos estimar como eles se distribuirão ao longo do tempo. Mas o resultado final é uma desaceleração no crescimento do PIB", diz o relatório.

Pastore ressalta que, quando se fala hoje "em depreciação do câmbio real", não é nada que se compare ao movimento gerado pelas paradas súbitas dos fluxos de capitais que ocorriam no passado. Uma mudança do câmbio da casa de R$ 1,60 para R$ 1,80 já produz mudanças significativas no saldo comercial, diz ele. Com isso, "excluída a hipótese de uma crise fora de controle", a desvalorização necessária para ajustar o balanço de pagamentos às novas condições externas "tende a ser pequena".

O relatório compara dois cenários: o primeiro em que o câmbio real "permanece constante em um valor compatível com o câmbio nominal em R$ 1,61", e outro em que a taxa real se deprecia para uma valor compatível a um cotação nominal de R$ 1,80. Outras hipóteses levadas em conta são a desaceleração no ritmo de alta da produção industrial brasileira, uma perda de fôlego no total das exportações globais e uma pequena queda nos preços de commodities (ver tabela).

Com esses parâmetros e o câmbio em R$ 1,61, o saldo comercial em 2009 fica em US$ 11,8 bilhões. Já com o câmbio a R$ 1,80, sobe para US$ 31,4 bilhões. "A simples passagem do câmbio de R$ 1,60 para R$ 1,80 reduz as importações em torno de US$ 10 bilhões", nota Pastore, lembrando que uma depreciação do real dessa magnitude "produzirá também uma desaceleração nas remessas de lucros e dividendos e nos gastos líquidos de viagens internacionais e que esse movimento é acentuado pela desaceleração do crescimento no Brasil". "Todos esses são movimentos que reduzem a velocidade de crescimento do déficit em conta correntes", que atingiu pouco menos de 1,5% do PIB em 12 meses.