Título: Aceitar crescimento mais baixo em 2009 divide opiniões
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 02/10/2008, Brasil, p. A4

Com o agravamento da crise financeira internacional e a perspectiva de uma desaceleração global mais intensa, o Brasil vai enfrentar mais dificuldades para crescer a taxas robustas em 2009. Para boa parte dos economistas, o país não deve tentar compensar esse cenário mais turvo com o aumento de gastos públicos e uma atuação mais intensa dos bancos oficiais.

A visão é que o menor crescimento global e a piora na oferta de crédito externo impõem restrições a um avanço mais forte da economia brasileira - o que pode abrir espaço para uma política monetária menos dura daqui para frente. Para alguns desenvolvimentistas, porém, a melhor resposta à crise atual passa, sim, por elevar despesas públicas, basicamente em infra-estrutura, e por um incremento dos empréstimos do BNDES, da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil (BB).

O ex-diretor do Banco Central (BC) Ilan Goldfajn, sócio da Ciano Investimentos, acha que o Brasil não deve tentar gerar um crescimento na casa de 4,5% em 2009 - como previsto na lei orçamentária para o ano que vem - num momento em que a economia global deve passar por uma desaceleração muito significativa. Para ele, abrir os cofres públicos e injetar dinheiro na economia por meio dos bancos oficiais neste momento é uma má idéia. "Começou a chover e a pista está molhada. É melhor aceitar uma desaceleração um pouco maior da economia, para evitar um acidente mais para frente", afirma Goldfajn, que considera uma expansão de 3% a 3,5% em 2009 um resultado razoável diante da piora do cenário externo, ainda que inferior aos mais de 5% que o Brasil deve crescer neste ano.

Para ele, tentar um avanço de 4,5% no ano que vem pode provocar um aumento muito forte do déficit em conta corrente (as transações de bens e serviços do país com o exterior), num quadro em que o mundo não estará disposto a financiar um rombo tão grande. O câmbio tenderia se desvalorizar muito, impactando a inflação. Goldfajn diz que o ideal seria uma contenção do ritmo de expansão dos gastos correntes. "Isso possibilitaria que o setor privado fizesse um ajuste menor. Com menos poupança externa à disposição do país, seria interessante que o governo aumentasse a sua poupança."

O ex-ministro Edward Amadeo, sócio da Gávea Investimentos, também vê com reservas o aumento de gastos públicos e o uso mais intenso dos bancos oficiais. Como o país manteve as despesas em alta forte nos tempos de crescimento robusto, não há muito espaço fiscal para a elevação dos dispêndios do governo, avalia ele. Para Amadeo, se a crise externa "virar um tsunami", provocando uma desaceleração muito forte, pode então ser o caso de aumentar os gastos públicos na área de infra-estrutura. "Mas eu não gosto da idéia de usar os bancos oficiais para compensar a queda do crédito privado, porque há menos transparência e há o risco de que se tomem decisões erradas, que podem afetar as gerações futuras", afirma ele.

O ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros é outro que vê com maus olhos a elevação dos gastos públicos como resposta à crise externa. "Embora eu seja keynesiano em minha forma de pensar, não acredito que o estímulo fiscal seja o instrumento corrente neste momento. A desaceleração do consumo é hoje uma necessidade, inclusive para reduzir o crescimento das importações", afirma ele, que também rechaça uma uso mais agressivo dos bancos públicos. "O BNDES, por exemplo, não tem caixa."

Mendonça de Barros acha, contudo, que deve haver uma mudança na atuação do BC. Segundo ele, a autoridade monetária tem que atuar para evitar o impacto do "corte abrupto do crédito" atualmente em curso, de modo a impedir que isso produza uma desaceleração muito acentuada da atividade econômica. Para Mendonça de Barros, já não há mais necessidade de o BC continuar a aumentar os juros - a preocupação da instituição não deve mais ser o descompasso entre a oferta e a demanda, mas a forte piora nas condições de empréstimos e financiamentos.

"O BC tem que entender essa nova situação", diz ele, defendendo a redução dos níveis de recolhimentos de depósitos compulsórios dos bancos. Para Mendonça de Barros, é melhor diminuir os compulsórios e liberar mais dinheiro para as instituições privadas do que usar dinheiro do Tesouro para os bancos públicos aumentarem os volumes de empréstimos.

Já Goldfajn e Amadeo acreditam que ainda não é o caso de interromper o ciclo de alta dos juros, embora acreditem que o impacto da crise pode levar o processo de aperto monetário a se encerrar mais cedo. Eles também consideram que, nesse cenário, o início dos cortes da taxa Selic em 2009 pode começar antes do que se imaginava há algumas semanas.

O economista Ricardo Carneiro, da Unicamp, tem uma visão diferente. Desenvolvimentista, acredita que há espaço para o país crescer 4,5% no ano que vem. Para isso, no entanto, é importante que o BC pare de aumentar os juros e que o governo eleve os investimentos e use mais intensamente os bancos públicos. Segundo Carneiro, o ideal é que haja uma contenção do ritmo de alta das despesas correntes e uma elevação dos dispêndios em projetos de infra-estrutura, que aumentam a perspectiva de crescimento futuro. Além disso, num cenário de contração do crédito externo, cabe à trinca BNDES, BB e Caixa assumir um papel mais ativo no financiamento a projetos privados, afirma ele. Para resolver a questão do funding dessas instituições, Carneiro considera possível que se usem recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Ele também acha que se pode pensar em mobilizar os fundos de pensão.