Título: Argentina prepara medida anti-China
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 02/10/2008, Internacional, p. A11

O governo argentino está preocupado com uma possível enxurrada de produtos importados da China e outros países como decorrência da crise financeira internacional. O Ministério da Economia está agilizando a entrada em vigor de um sistema, regulamentado há um mês por decreto, que reduz de dois anos para um ano, em média, a análise dos processos antidumping.

A informação, publicada ontem pelo jornal "El Cronista", foi confirmada ao "Valor" por uma fonte do governo que pediu para não ser identificada. O objetivo da medida é proteger a indústria local e, ao mesmo tempo, responder a uma demanda interna dos empresários por uma desvalorização do peso frente ao dólar e estímulos à produção.

Para controlar a inflação, o governo argentino se esforça desde junho para manter a taxa de câmbio na faixa de 3,0 a 3,1 pesos por dólar. No ano passado o dólar esteve entre 3,15 e 3,20 pesos. Ontem, fechou estável a 3,135 pesos.

A medida acabou tirando a competitividade dos produtos exportados, principalmente na indústria e foi criticada por empresários e economistas, mas a presidente Cristina Kirchner já avisou que a política cambial não será revista.

A desvalorização de 20% da moeda brasileira frente ao dólar nas últimas duas semanas acendeu o alerta entre os empresários argentinos que temem um desequilíbrio ainda maior na balança comercial bilateral. Mas o Brasil não é o alvo do decreto e sim os países asiáticos. Na verdade, a crise ainda não atingiu as exportações argentinas para o Brasil que em setembro bateram novo recorde, com US$ 1,454 bilhão, um crescimento de 68,8% comparado ao mesmo mês de 2007, segundo levantamento feito pela consultoria Abeceb.com.

No acumulado de nove meses, as vendas argentinas para o Brasil totalizam US$ 9,94 bilhões, 34,6% sobre o mesmo período do ano passado. As importações totalizaram US$ 1,723 bilhão no mês, crescendo 31,2% sobre setembro de 2007. Entre janeiro e setembro, as compras somam US$ 13,76 bilhões, com alta de 33,1%. O saldo comercial acumula déficit de US$ 3,8 bilhões para a Argentina nos primeiros nove meses de 2008.

O déficit comercial, de US$ 3,8 bilhões diminuiu em comparação com os US$ 4,5 bilhões registrados na metade deste ano. De acordo com a Abeceb, o resultado da balança em setembro foi negativo em US$ 269 milhões para a Argentina, o mais baixo déficit desde fevereiro e o menor para o mês de setembro desde 2004.

"Desplugada" do mercado internacional de crédito desde a moratória de 2002, a Argentina não está sofrendo impactos com a quebra dos bancos de Wall Street, a não ser pelos mercados de ações e de bônus que despencaram, como em todo mundo.

Mas o secretário de Finanças do Ministério da Economia, Hernan Lorenzino, admitiu na terça, em exposição no Congresso, que com a crise financeira "vai haver uma desaceleração da economia dos países desenvolvidos" e que "evidentemente vai chegar a economias dos países menos desenvolvidos como a Argentina". Lorenzino disse que o governo está tomando as precauções para garantir as necessidades de financiamento do tesouro do país no ano que vem, estimadas em US$ 8,5 bilhões.

Na avaliação do economista Daniel Marx, ex-secretário de Finanças do Ministério da Economia e condutor de três renegociações da dívida externa argentina, hoje consultor de empresas na AGM Finanzas, a possibilidade de o país ser seriamente afetado em seu comércio internacional é concreta.

Por um lado, a crise nos EUA reduz seu mercado de exportações; por outro haverá, na opinião dele, pressão de países como a China e outros exportadores que vão buscar mercados alternativos para os produtos que vendiam aos EUA, o que também vai afetar o Brasil.

"Há vários canais de transmissão da crise para a Argentina", afirmou Marx. Da mesma opinião partilha o ex-ministro da Economia, Roberto Lavagna. Em entrevista a uma rádio ontem de manhã, Lavagna disse que o efeito da crise internacional vai chegar na Argentina "menos pelo lado financeiro e mais pela economia real".

Daniel Marx disse ainda que o comércio bilateral com o Brasil pode ser afetado na medida em que os dois principais sócios do Mercosul não têm uma política cambial complementar.

"Agora, por exemplo, a Argentina está com um câmbio semi-fixo e o Brasil deixou depreciar o real". Segundo Marx, isso gera pressão em um comércio que está atrelado ao grau de crescimento de cada país. Ele prevê "discussões adicionais" sobre itens sensíveis da pauta de comércio como têxteis, autopeças e alguns produtos agrícolas como trigo. Dante Sica, diretor da consultoria Abeceb.com, acha que é cedo para avaliar o impacto da crise no comércio entre os dois países. "É preciso ver se haverá desaceleração da economia brasileira em 2009, mas eu seria mais cauteloso sobre previsões, estamos no meio da onda da crise."