Título: Europa tenta dar resposta sensata à crise financeira
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/10/2008, Opinião, p. A12

Pouca atenção se deu até agora à atuação dos governantes europeus para impedir que a crise financeira mundial desencadeada pelas dificuldades com hipotecas nos Estados Unidos contaminasse de forma caótica os bancos da região. Com justa razão, todos os holofotes estão voltados para as tentativas - até agora canhestras, em sua maioria - das autoridades americanas de tornar viável um plano de salvamento do sistema financeiro, de forma a pelo menos suavizar a recessão que se avizinha.

Assim como acontece no mercado americano, o Banco Central Europeu tem sido fortemente pressionado para agir e baixar os juros básicos, mas as apostas de parte de analistas eram de que isso não ocorrerá a curtíssimo prazo, ficando a taxa em 4,25%.

Por enquanto, os governos europeus têm concentrado sua atuação em duas frentes de batalha. À semelhança do que fez o Federal Reserve, o banco central americano, as autoridades de diversos países socorreram bancos, deixando de lado a orientação de evitar esse tipo de ajuda. O modelo europeu é tratar cada caso individualmente, sem iniciativas semelhantes ao pacote de ajuda que a Casa Branca tenta ver aprovado pelos congressistas americanos. Além de colocar dinheiro diretamente nas instituições bancárias sob risco, como no caso do Fortis - em uma ação coordenada da Bélgica, Holanda e Luxemburgo, que ficaram com 49% das suas ações -, multiplicam-se os anúncios dos governantes de que o socorro estaria a caminho, se fosse necessário. Assim, por exemplo, o governo irlandês anunciou uma garantia de dois anos sobre os depósitos de seis grandes bancos do país para protegê-los contra a crise. Na França, o ministro de Orçamento, Erich Woerth, prometeu que "nenhum euro depositado num banco ou numa seguradora vai ser atingido pela crise financeira internacional". Na Espanha, na Polônia e na Itália, as autoridades asseguravam que seus mercados não estavam ameaçados.

O segundo campo de batalha dos europeus ficou manifesto ontem com divulgação das propostas da Comissão Européia, o braço executivo da União Européia, para revisão das regras bancárias, de forma a reforçar a estabilidade do sistema financeiro, reduzir a exposição ao risco e melhorar a supervisão dos bancos que operam em mais de um país do bloco. A principal sugestão é de que os bancos dos 27 países que integram a UE aumentem seus fundos próprios para enfrentar "grandes riscos" quando estes representarem mais de 15% de seus portfólios. Além disso, os bancos com produtos ""securitizados"", que estão no centro da atual crise financeira global, serão forçados a reter parte do risco. As instituições bancárias deverão reter capital de pelo menos 5% da exposição nesse tipo de papel. Haverá igualmente limite de 25% em toda a exposição no interbancário, ou seja, no montante que um banco empresta a outro. Haverá menos exceções do que era permitido até agora. O pacote foi classificado pelo comissário de Mercado Interno e de Serviços, Charlie McCreevy, "resposta sensata e proporcional ao tumulto financeiro que vivemos".

Como se poderia esperar, o pacote - que deverá ser submetido ao Parlamento Europeu e ao Conselho de ministros - já começou, ontem mesmo, a receber críticas. Os bancos combatem especialmente as novas exigências dos fundos próprios, e deputados conservadores alertam contra o que consideram ser uma ""regulamentação excessiva"", tocando em um ponto nevrálgico da crise. A ciranda financeira criada nos Estados Unidos nos últimos anos tem sido indicada como resultado direto do processo de desregulamentação de muitas atividades dos bancos, especialmente dos bancos de investimentos. Por isso, espera-se agora um movimento exatamente ao contrário, de aumento da regulação dos mercados.

Nessa mesma linha, a Comissão Européia vai propor no dia 12 de novembro uma regulamentação obrigando as agências de classificação de risco que atuam na região a se registrarem e respeitarem um código de boa conduta para evitar conflito de interesse. A atuação dessas agências, sobretudo na crise das hipotecas, continua provocando críticas, ainda mais que deram notas muito elevadas para papéis que hoje são considerados "tóxicos".