Título: Governo quer garantir fluxo de recursos
Autor: Galvão, Arnaldo; Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 02/10/2008, Finanças, p. C6

Preocupado com a contração do crédito e de seus efeitos negativos sobre a economia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou aos ministros da área econômica que trabalhem para assegurar a oferta de recursos a empresas e consumidores nos próximos meses. A orientação foi dada ontem, segundo o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, durante reunião de coordenação no Palácio do Planalto. "O Natal está chegando e não pode faltar crédito nem para as empresas nem para as pessoas", teria dito o presidente, segundo relato de Bernardo. Ruy Baron/Valor Ministro da Fazenda, Guido Mantega, critica pessimismo de analistas

A reunião foi dominada pela discussão da crise financeira internacional. Um dia depois de admitir que a crise é muito grave, Lula procurou adotar tom menos pessimista às vésperas das eleições municipais. Ao sair de uma cerimônia, em Brasília, disse que "não vai ter pacote econômico" para enfrentar a crise e que a situação estava mais tranqüila nessa quarta-feira. No encontro com os ministros, Lula disse que não queria ministros fingindo que não existe crise, mas deu o tom: "Temos que ter responsabilidade, tranqüilidade e serenidade".

"Estamos atentos, mas, por enquanto, não há necessidade de medidas emergenciais", afirmou o ministro Paulo Bernardo em entrevista. Ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, revelou que o Banco do Brasil (BB) está antecipando a liberação de R$ 5 bilhões para os produtores rurais.

Mantega lembrou o governo já vem tomando medidas pontuais para assegurar a liquidez dos mercados e vai tomar outras se for necessário. Como exemplo do que já foi feito, citou a redução do compulsório para os bancos e os leilões de dólares que o Banco Central vem realizando.

O diretor de Agronegócios do BB, José Carlos Vaz, informou que a instituição prevê financiamentos de R$ 30,5 bilhões para o Plano Safra 2008/2009 nas linhas de custeio, investimento e comercialização. Desde o início de julho, foram liberados R$ 6,7 bilhões, valor 35% superior ao do mesmo período em 2007. Como, no momento, bancos privados, "trading companies" e cooperativas estão restringindo o crédito, o BB decidiu antecipar R$ 5 bilhões.

De acordo com Paulo Bernardo, o crédito cresceu 30% em 2007 e algo perto de 32% no primeiro semestre deste ano. Ele garantiu que o governo sabe que esse crescimento foi um pouco acelerado, mas a elevação do Imposto sobre Operações financeiras serviu como freio. "Com a crise, vai arrefecer um pouco mais o ritmo. Não queremos que o crédito caia, mas que continue crescendo de forma saudável e sustentável", concluiu.

Para a equipe econômica, a crise afeta principalmente as linhas externas, mas também prejudica o crédito interno. Há bancos pequenos que operaram a partir de linhas secundárias, tomadas de outros bancos. Num momento de crise de confiança, um banco pode não emprestar para outro.

O ministro da Fazenda também criticou os analistas mais pessimistas e contestou os que afirmaram que o Produto Interno Bruto (PIB) vai crescer de 1% a 2% em 2009. "Isso é totalmente impossível. Só com o impulso de 2008, a economia crescerá, no mínimo, 2,5%", afirmou.

A ordem de Lula, segundo Mantega, é dar sustentação a todos os investimentos. O ministro da Fazenda garantiu que o BNDES vai cumprir seu programa de liberar R$ 90 bilhões e o governo ainda está aumentando o fundo da marinha mercante para a construção de navios. Além disso, os investimentos em infra-estrutura do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) serão preservados.

Na opinião de Mantega, a atual retração do crédito dos bancos privados será superada assim que os congressistas americanos aprovarem o pacote de ajuda. "Os bancos privados brasileiros vão voltar aos volumes e às taxas que estavam praticando. Se isso não ocorrer, o governo vai tomar providências para aumentar a liquidez e o crédito na economia", disse.

Mantega também atacou os que recomendam mais aperto na política fiscal, especialmente o governador de São Paulo, José Serra (PSDB). Recomendou a ele a leitura do relatório do BC que mostra o governo central - Tesouro, BC e Previdência - com superávit nominal de janeiro a agosto. "Quando ele era ministro do Planejamento, infelizmente, não conseguia fazer isso", ironizou.

O ministro da Fazenda ainda sugeriu que Serra olhasse as contas dos Estados e reconhecesse que os governos estaduais não estão conseguindo fazer superávit nominal. Mesmo assim, Mantega disse que o resultado geral do setor público é muito satisfatório. "Aumentamos o superávit primário e temos um déficit nominal de 0,58%. É o melhor resultado da série iniciada em 1991", ressaltou.

Fazer economia sem prejudicar investimentos é, segundo Mantega, fundamental para manter o crescimento da economia. O ministro citou que, em setembro, no pior momento da crise, o Brasil manteve suas reservas de US$ 200 bilhões "intactas". Comparou que, em 1998, na crise da Rússia, "muito menor que esta, de terceira ou quarta categoria", as reservas "evaporaram" em poucas semanas.