Título: Fantamas nuclear
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 20/02/2010, Mundo, p. 24

Aiatolá Ali Khamenei inaugura navio de guerra e diz não querer a bomba atômica

Robert J. Oppenheimer lembrou-se de uma passagem do Bhagavad-Gita, o texto sagrado dos hindus, quando o intenso clarão de sua obra ofuscou seus olhos, em 16 de julho de 1945. ¿Se o brilho de mil sóis aparecesse no céu, seria como o esplendor do todo-poderoso. Eu me torno a morte, o destruidor de mundos¿, afirma a escritura. Considerado o pai da bomba atômica, o cientista do Projeto Manhattan morreu em 19 de fevereiro de 1967. Sem culpa.

Uma de suas declarações mais polêmicas ecoa mais hoje do que nunca. ¿Nosso trabalho mudou as condições nas quais os homens vivem, mas o uso feito dessas mudanças é um problema dos governos, não dos cientistas¿, disse. Depois que a criação de Oppenheimer devastou as cidades de Hiroshima e Nagasaki, ceifando a vida de pelo menos 220 mil pessoas, as armas atômicas tornaram-se preocupação mundial. O fantasma de uma hecatombe nuclear paira sobre o regime teocrático do Irã ¿ onde política e religião se fundem na figura do aiatolá ¿ e sobre o regime comunista da Coreia do Norte, um país mergulhado na miséria.

¿Seria um erro de julgamento, da parte da comunidade internacional, acreditar que Pyongyang abandonará as bombas atômicas em troca de uma ajuda econômica.¿ O comunicado oficial divulgado pela agência estatal norte-coreana KCNA destoa da tentativa de Teerã de acalmar o Ocidente. ¿A Coreia do Norte tem desenvolvido armas atômicas para sua própria defesa e não para ameaçar ninguém ou para receber favores econômicos ou recompensas¿, acrescenta o texto, certamente revisto pelo ditador Kim Jong-il. No último dia 8, o próprio líder havia dado sinais conflitantes, ao reiterar seu compromisso com a desnuclearização do país e da Península Coreana.

Por sua vez, o aiatolá Ali Khamenei inaugurou ontem o destróier Jamaran, uma moderna embarcação dotada de mísseis terra-ar, e descartou as ambições armamentistas de Teerã. ¿As acusações do Ocidente são sem fundamento, porque nossas crenças religiosas nos proíbem de buscar isso (a bomba atômica)¿, declarou o máximo líder religioso iraniano. Foi uma reação a um relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), divulgado na véspera, segundo o qual o Irã não tem cooperado para permitir a confirmação dos fins pacíficos de seu programa nuclear, recusou-se a implementar as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, manteve em operação a usina de Natanz e anunciou a construção de outras 10 usinas.

A ativista de direitos humanos e advogada iraniana Lily Mazahery representa os interesses de ex-funcionários de usinas nucleares e companhias que revendiam tecnologia ao programa nuclear do Irã. Em entrevista ao Correio, ela contou que seus clientes lhe confirmaram as aspirações bélicas do presidente Mahmud Ahmadinejad. ¿O Irã pretende ser respeitado e temido pelo mundo¿, assegura. ¿Teerã não quer que Israel seja superior em qualquer nível.¿ A também analista política lembra que o regime patrocina o terrorismo ao redor do mundo, desde há tempos. ¿Ao desenvolver as capacidades nucleares, o país pode ameaçar vendê-las para grupos terroristas¿, alerta Mazahery.

Saiba mais... Análise da notícia: Poder sem poder O sul-coreano Won Paik, cientista político da Central Michigan University (nos Estados Unidos), acredita que a Coreia do Norte já tenha várias bombas atômicas. Sua tese parte do raciocínio sobre a quantidade estimada de plutônio processado dos reatores de Yongbyon. ¿Há duas razões de segurança para Pyongyang possuir esse arsenal: em primeiro lugar, querem usá-lo para atacar alguém; em segundo, como instrumento de dissuasão¿, observa.

Paik aposta na segunda hipótese. Segundo ele, o uso de armas nucleares contra a Coreia do Sul, o Japão ou a China detonaria uma imediata retaliação dos aliados. ¿Para fazer um míssil nuclear, você precisa colocar uma ogiva nuclear dentro dele, e não há confirmação de que os norte-coreanos tenham feito isso¿, explica. O especialista sugere que os EUA temem a importação dessas armas para Estados-párias ou grupos terroristas.

Europa

O medo do uso inadequado da bomba atômica fez com que cinco países da Organização do Tratado do Atlântico Norte ¿ Alemanha, Bélgica, Luxemburgo, Noruega e Holanda ¿ decidissem pedir a retirada do arsenal atômico norte-americano armazenado na Europa. De acordo com uma fonte próxima ao governo belga, citada pela agência France-Presse, a iniciativa refere-se às cerca de 240 bombas da época da Guerra Fria guardadas na Alemanha, Bélgica, Itália e Turquia. ¿O governo belga que aproveitar a oportunidade aberta pelo presidente (Barack Obama) a favor de um mundo sem armas nucleares¿, disse o premiê belga, Yves Leterme.