Título: Marta aguarda 2º turno em clima de tensão
Autor: Felício, César; Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 03/10/2008, Política, p. A7

A liderança no primeiro turno da eleição municipal em São Paulo não aliviou a tensão na reta final da campanha da ex-ministra do Turismo e ex-prefeita Marta Suplicy (PT). Os aliados da petista não se iludem com a vantagem que a candidata deve conseguir no domingo: já enxergam um empate com seu mais provável adversário na reta final, o prefeito Gilberto Kassab (DEM). E com agravantes: a candidata já usou no primeiro turno seus principais trunfos: a militância petista na periferia, o apoio aberto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a união de partidos de esquerda e centrais sindicais e um pacote de propostas de obras viárias para tentar seduzir a classe média. Patricia Santos/Agência Estado Alckmin: tucano procurou explorar na campanha sua boa imagem pessoal

No comando da campanha de Kassab, em caso de segundo turno, a primeira tarefa será conseguir a adesão completa do PSDB, que dividiu-se com a candidatura de Geraldo Alckmin. E nas atividades de rua, prevê-se nesta hipótese a presença "quase cotidiana" do governador José Serra (PSDB), que chegou a pedir voto para aliados em Macaé (RJ) e Maceió, mas evitou aparecer ao lado de Alckmin no primeiro turno. Outro trunfo com que a campanha kassabista contaria é o alto índice de rejeição de Marta Suplicy, semelhante ao da intenção de voto da petista nas pesquisas de opinião. A partir desta rejeição, os aliados de Kassab acham que os votos dos possíveis derrotados Alckmin e Paulo Maluf (PP) viriam para o candidato naturalmente, se a passagem para a rodada final se confirmar.

A campanha de Alckmin encerrou-se em clima melancólico. Na quarta-feira, sua página na Internet ficou fora do ar por várias horas e o candidato deixou-se fotografar distribuindo sozinho panfletos em cruzamentos. Um estado-maior formado por seis deputados federais e seis estaduais tucanos mobiliza militantes para tentar superar Kassab em presença física nas ruas. Contam com uma recuperação do ex-governador nas últimas pesquisas que o recoloque ao menos em situação de empate técnico com o candidato do DEM. De forma reservada, aliados de Alckmin já discutem o que fazer em caso de derrota: afirmam que nesta hipótese o ex-governador não iria declarar voto no segundo turno, mas que o PSDB garantiria apoio institucional ao adversário do PT.

Raimundo Paccó/Folha Imagem Marta: petista preocupou-se em buscar aproximação com a classe média Antigo campeão de votos na cidade, o ex-governador e ex-prefeito Paulo Maluf (PP) caminha para ter a menor votação proporcional em uma eleição em toda sua vida. Disputa o quarto lugar com a vereadora Soninha Francine (PPS), com quem travou um bate-boca no último debate entre os candidatos, marcado por ofensas pessoais. O candidato do PP nunca deixou de anunciar voto a um adversário no segundo turno e a expectativa este ano é que volte a fazê-lo, contra o PT.

Marta contou com o apoio ostensivo de Lula. Além das gravações para a propaganda do horário eleitoral gratuito, Lula participou de dois comícios. Diferente das duas outras eleições, em que Marta pouco se empenhou em estabelecer alianças, o PT aliou-se já no primeiro turno ao bloco de esquerda: PCdoB, a quem deu a vice, com Aldo Rebelo, PSB e PDT. Procurou o apoio do ex-governador Orestes Quércia, que controla o PMDB no Estado, mas perdeu a adesão da sigla para Kassab.

A petista recebeu suporte das maiores centrais sindicais, como CUT, Força Sindical e UGT - um apoio superior até mesmo ao que Lula conseguiu nas eleições presidenciais que disputou - e recebeu do Planalto o marqueteiro João Santana, responsável pela campanha de reeleição de Lula em 2006. Não conseguiu, contudo, sair do patamar da esquerda em São Paulo, que oscila entre 35% e 40% nas últimas duas eleições.

"Não vejo como mudar nosso comportamento agora no segundo turno, não há muito mais forças para acrescentar agora. O fundamental já foi feito", comentou o candidato a vice, Aldo Rebelo, para quem resta a Marta investir mais onde já investiu tudo. "Ela precisa mesmo é continuar tirando a diferença nos bairros mais populares. Nos bairros ricos, conseguir 30% já é muita coisa", disse o comunista. "Vamos buscar mais votos onde tradicionalmente o PT ganha", disse o coordenador da campanha, o deputado Carlos Zarattini (SP) Marcelo Ximenez/Agência Estado Kassab: integrante do DEM conta com rejeição a Marta em possível 2º turno

Nas últimas semanas, Marta começou a perder intenção de voto nas pesquisas, sobretudo nos lugares onde tradicionalmente ia bem. Possivelmente é produto da ação da campanha kassabista. Enquanto persistiu a dianteira de Alckmin sobre o prefeito nas pesquisas, a campanha do DEM procurou suplantar o tucano nos bairros centrais e imaginava enfrentar Marta nos bolsões de pobreza apenas no segundo turno. Mas os estrategistas do DEM avaliam que a agressividade de Alckmin contra Kassab acelerou a perda de substância do tucano e permitiu a Kassab centrar fogo na periferia antes do previsto.

A campanha petista calcula que Marta tenha de crescer 5% em relação à eleição passada nos bairros entre a periferia e o centro, a chamada "franja da periferia", que inclui bairros como Ermelino Matarazzo, Pirituba e Rio Pequeno. "Esse é o eleitor a ser disputado", considera o vereador Antonio Donato. O partido investiu na conquista da "nova classe média", formada por pequenos empresários e comerciantes que ganham até R$ 3 mil.

A candidata petista sempre atribuiu a sua derrota em 2004 a um afastamento do seu governo em relação à classe média. Este ano, seu marketing procurou suavizar sua imagem. As tradicionais bandeiras petistas perderam espaço para uma ênfase em soluções viárias, propostas de popularização da Internet e acenos para pequenos e médios empresários. O tema do transporte coletivo ocupou papel central em seu programa, assim como no de outros candidatos, como Maluf, Soninha e até Ivan Valente (P-SOL).

Kassab, cuja propaganda ficou sob responsabilidade de Luiz Gonzalez, marqueteiro de Serra, fez aposta diferente: o candidato centrou sua propaganda no binômio saúde e habitação popular, enquanto procurou visibilidade na área de transporte com medidas administrativas, como a imposição de rodízio no trânsito de caminhões.

A propaganda televisiva de Alckmin foi errática: no início, procurou explorar a imagem pessoal favorável que o tucano tem entre os paulistanos. Alckmin não chegou a citar na campanha, mas foi o político com maior votação proporcional em toda a história eleitoral da cidade, ao conseguir 53,8% dos votos paulistanos no primeiro turno para presidente em 2006, superando o que Serra conseguiu para governador, Lula para presidente e Maluf em qualquer uma de suas eleições. Ao começar a ser ultrapassado por Kassab, trocou o marqueteiro e adotou um tom oposicionista em relação ao integrante do DEM, lembrando problemas administrativas e as origens políticas do prefeito, próximas a Maluf, para a alegria dos petistas. A nova estratégia mostrou resultados modestos nas pesquisas de opinião, não detendo a ascensão de Kassab.

No provável segundo turno entre Marta e Kassab, as avaliações divergem entre os aliados de Marta Suplicy. Boa parte aposta na divisão. "A única mensagem explícita de apoio que haverá no segundo turno será a de Maluf para Kassab", aposta o presidente do Diretório Municipal do PT, o vereador José Américo. A previsão de Américo tem um aspecto de torcida, já que o apoio de Maluf para Kassab reforçaria a imagem do prefeito como alguém com perfil ideológico de direita. Os petistas esperam que Alckmin e Kassab se mantenham distantes. "Vai sobrar muito caco, muito difícil de se juntar", prevê e espera o vereador Arselino Tatto (PT).

O PT pretende ainda explorar a imagem negativa que subsiste em parte do eleitorado contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que já anunciou que estará do lado de quem quer que enfrente Marta na rodada decisiva da eleição. Em um eventual segundo turno, os kassabistas precisariam da presença na campanha de Fernando Henrique como forma de atrair o PSDB. "No debate vamos mostrar qual é o campo que Kassab representa. Ele é do DEM, partido que junto com o Fernando Henrique Cardoso, em 2002, quebrou o país", disse Zarattini.