Título: Venezuela cria quase-moedas para escambo socialista
Autor: Souza, Marcos de Moura e
Fonte: Valor Econômico, 03/10/2008, Internacional, p. A15

Em ano de eleições, o governo da Venezuela encontrou uma forma criativa de aumentar o poder de compra dos venezuelanos: distribuir de dinheiro. Não o dinheiro oficial do país, o bolívar forte, mas sim novas moedas regionais - ou comunitárias, como prefere o governo - que estão circulando entre pequenos produtores e famílias de baixa renda em cidades do interior do país.

A idéia é simples: em áreas onde as pessoas dispõem de pouco ou quase nenhum dinheiro, entidades comunitárias com ajuda do governo central organizam feiras de troca de produtos e serviços simples e de pouco valor agregado: frutas, galinhas, milho, feijão, serviços de pedreiro, de corte de cabelo e etc. Como nem sempre os itens trocados têm o mesmo valor, os participantes precisam de dinheiro para compensar o negócio. Mas se falta dinheiro. Como fazer quando as famílias simplesmente não têm bolívares à mão para ajudar nessa primitiva relação de escambo?

É aí que entram as quase-moedas regionais, criadas num pacote de medidas aprovadas recentemente pelo presidente Hugo Chávez. Os nomes são criativos: lionza, momoy, tamunague ou então relâmpago de catatumbo. Elas têm circulação restrita. Só podem ser usadas nesses mercados de trocas de suas respectivas cidades. Um produtor de galinhas de Machines, no Estado de Zulia, por exemplo, não pode juntar os relâmpagos de catatumbo que amealhou fazendo negócio na feira para comprar, digamos, cigarro ou um refrigerante no supermercado mais próximo.

"Como muitas pessoas não têm dinheiro, essa é uma maneira que elas têm para demonstrar que não precisam da moeda oficial", disse ontem por telefone ao Valor, Leaniset Noruega, porta-voz do Instituto Nacional de Desenvolvimento da Pequena e Média Indústria (Inapymi). "O governo incentiva essa idéia, que é antiga, de que o dinheiro não é necessário para que as pessoas satisfaçam as suas necessidades."

As moedas regionais, de fato, não são moedas de verdade. Embora sejam impressas sob a supervisão do Banco Central e tenham até marca d"água, têm circulação restrita, não podem ser usadas para o pagamento de salários, não são trocáveis por bolívares, muito menos por dólares. E são distribuídas pelo governo. Noruega explica que líderes de cada comunidade, com o apoio do Inapymi, levam as notas aos mercados de troca e as distribuem pelos participantes, para "dar mais fluidez às trocas". Os nome das moedas são escolhidas pelos comunidades, e a quantidade de moeda posta em circulação é decidida pelo bancos comunitários, outra instituição criada por Chávez para a sua estrutura de Estado a caminho do socialismo.

Moedas regionais já circulam em cidades de dez Estados venezuelanos. E, segundo Noruega, a idéia é ampliar a experiência de trocas solidárias com moedas comunitárias pelo país.

Para José Antonio Gil Yepes, presidente da Datanalisis, uma consultoria econômica venezuelana, as moedas regionais são uma formula de o governo imprimir dinheiro que não pressiona a inflação oficial nem o câmbio com o dólar - porque as moedas não são conversíveis. "O governo está entregando dinheiro para as pessoas, criando uma liquidez imaginária, em vez de criar condições para aumentar a oferta de emprego, o que permitiria as pessoas a receberem salários em moeda oficial. O governo está emitindo um dinheiro que não tem impacto sobre a inflação nem sobre o câmbio", critica ele.

Yepes diz ainda que, como não há base monetária lastreando essas moedas, a vida útil da experiência tende a ser pequena. Ele lembra que a Argentina, no período da crise, também cunhou moedas paralelas, como os patacones, que se revelaram uma experiência controversa e de pouco sucesso. "Nenhum economia desenvolvida usa esse sistema", diz.

Em dezembro, os venezuelanos votam para eleger governadores dos Estados. E a experiência das moedas comunitárias poderá ter um efeito eleitoral favorável ao governo e a seus aliados.