Título: Receita em alta favorece onda de reeleições
Autor: Felício, César; Watanabe, Marta
Fonte: Valor Econômico, 03/10/2008, Especial, p. A18

Está nas contas públicas uma das explicações para a força reeleitoral deste ano, que faz com que nas capitais estaduais o candidato com apoio da prefeitura apareça liderando as pesquisas de intenção de voto em 20 das 26 cidades. A receita corrente das prefeituras das capitais pulou de R$ 41 bilhões para R$ 59,6 bilhões entre 2004 - último ano da administração passada - e 2007, um salto de 46,8%. No conjunto dos municípios como um todo, onde o peso das transferências da União e dos Estados é maior, os recursos disponíveis nos cofres municipais tiveram um salto ainda maior, de 52,4%. Leo Pinheiro/Valor - 2/10/2008 Solange Amaral: candidata do prefeito César Maia, no Rio, que teve elevação modesta de receita, está fora do páreo

O cofre reforçado das prefeituras conseguiu a façanha de acompanhar a tendência das receitas no plano federal, que ano após ano bateu recordes de arrecadação nesse período. A União teve um incremento de receita praticamente igual neste período (45,7%) e os Estados não tiveram o mesmo fôlego, aumentando os ingressos em 41,7%.

Os recursos adicionais das prefeituras permitiram aumento de investimentos totais de R$ 4,1 bilhões para R$ 5,87 bilhões, o que representa avanço de 41%.

O crescimento das receitas continua impulsionando as prefeituras em 2008. Segundo levantamento da Associação dos Secretários de Finanças das Capitais (Abrasf), a receita corrente líquida no acumulado dos últimos doze meses encerrados em julho cresceu em termos reais 10,7%. Elísio Soares, secretário de Finanças do Recife e presidente da Abrasf, diz que o desempenho econômico ainda continua impulsionando a receita tributária própria, puxada principalmente pelo ISS. A arrecadação do imposto cresceu 12% nos doze meses encerrados em julho. Nas transferências da União teve grande peso o repasse via Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que cresceu 20,1%.

Caso o resultado das pesquisas se confirme nas urnas, será um grande contraste em relação ao que ocorreu em 2004, ano em que , em um ambiente geral de crise econômica, a oposição municipal ganhou em 16 das 26 capitais estaduais, com dez prefeitos reeleitos. Foi a primeira gestão regida do início ao fim pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabeleceu limites de endividamento e de gastos pessoais.

"Os prefeitos atuais que estão no primeiro mandato e tentam se reeleger este ano estão se beneficiando do contraste em relação aos eleitos em 2000. O mesmo não se dá com tanta intensidade em relação aos que estão no segundo mandato", disse o consultor político Alberto Carlos Almeida. Dos vinte prefeitos candidatos a um novo mandato, apenas dois (Gilberto Kassab , do DEM, em São Paulo e Serafim Corrêa, do PSB, em Manaus) não lideram as pesquisas. Já nas seis capitais em que os prefeitos estão cumprindo segundo mandato, apenas no Recife e em Belo Horizonte os atuais prefeitos, João Paulo (PT) e Fernando Pimentel (PT) vêem seus indicados líderes nas pesquisas. Em São Luís, Natal, Macapá e no Rio candidatos da oposição lideram.

Ednaldo Moraes/Roraima Hoje Iradilson Sampaio: prefeito de Boa Vista, que deve ser reeleito, administra hoje caixa duas vezes maior que em 2004 A boa situação financeira das prefeituras é uma condição necessária, mas não suficiente para deixar bem posicionado o prefeito que tenta um novo mandato. Em Salvador, onde a receita corrente cresceu 69,5%, impulsionado principalmente pelo fato das transferências da União terem pulado de R$ 252 milhões para R$ 690 milhões, o prefeito João Henrique (PMDB) ainda luta para garantir-se no segundo turno, em um empate triplo com ACM Neto (DEM) e Walter Pinheiro (PT). Pesou o fator político: Henrique não tem apoio claro do governo federal- apesar do empenho do ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, e nem do estadual.

O prefeito que provavelmente será o campeão proporcional de votos no Brasil, Cícero Almeida (PP), de Maceió, assistiu a um aumento de 60,5% em sua receita. É um percentual próximo ao obtido em São Paulo, onde a receita municipal pulou de R$ 12,9 bilhões para R$ 20,1 bilhões no período, sem que isto fosse suficiente para impulsionar Gilberto Kassab (DEM). O prefeito paulistano , que deve ir ao segundo turno , teve a ascensão travada pela divisão política de sua base, com a candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB), além de ter uma oposição robusta comandada pelo PT. Prefeito de Boa Vista, Iradilson Sampaio (PSB) administra um Orçamento duas vezes maior que o de 2004, e aparece com 54% das intenções de voto.

O Rio de Janeiro, capital que registrou o menor avanço de receita, é também a cidade em que a candidatura apoiada pela máquina municipal consegue o pior resultado em pesquisas de intenção de voto. Na capital fluminense, a receita corrente cresceu 24,1%, arrecadação tributária própria elevou-se 45,8%, mas diminuiu a ajuda federal: o Rio foi a única capital em que os repasses da União diminuíram entre 2004 e 2007, recuando 6,8%.

Sustentada pelo prefeito Cesar Maia (DEM), a deputada Solange Amaral (DEM) disputa o quinto lugar com Chico Alencar (P-SOL) e Alessandro Molon (PT). Muito criticado pela gestão na saúde, Cesar Maia fez a sua principal aposta administrativa na realização dos Jogos Pan Americanos, no ano passado. Alguns dos principais concorrentes de Solange, como o líder nas pesquisas Eduardo Paes (PMDB) e a deputada federal Jandira Feghali (PC do B) fizeram da saúde a principal bandeira da campanha.

A elevação das receitas pelos municípios nos últimos anos foi resultado de uma combinação de fatores que vão desde mudanças na legislação até o desempenho geral da economia, explica o consultor Amir Khair, especialista em contas públicas e ex-secretário municipal de finanças em São Paulo, na gestão petista de Luiza Erundina. Mas a geração de recursos próprios, sobretudo nas capitais, teve lugar de destaque. Enquanto as transferências da União tiveram uma elevação de 38,6% e as dos Estados subiram 35,8%, a arrecadação tributária nas capitais aumentou 51,8% nos últimos três anos.

No conjunto de todos os 5.564 municípios do país as transferências tiveram peso representativo para as finanças municipais, com crescimento de 55,6% no período. Embora com elevação menor, as receitas tributárias também tiveram aumento robusto, de 48,54%.

Um dos fatores para o aumento da arrecadação própria foi uma mudança na lei complementar federal do ISS. A alteração ampliou, para todos os municípios, o rol de serviços tributáveis pelo ISS, incluindo vários serviços bancários, por exemplo. Uma mudança anterior havia estabelecido ISS mínimo de 2%, amenizando a guerra fiscal.

A ampliação permitiu aos municípios aumentar a base de contribuintes sem precisar elevar alíquotas sobre os serviços que já pagavam o imposto. Com a ampliação, propiciada por alteração em legislação federal, pelo menos nove produtos e serviços financeiros, por exemplo, passaram a ser tributados pelo ISS. Três serviços financeiros antes atingidos de forma limitada ficaram amplamente sujeitos à cobrança.

A mudança, explica Khair, foi aprovada em 2003, mas demorou para ser regulamentada pelas administrações. "As novas cobranças com base na mudança de lei foram implementadas a partir de 2003 e 2004, mas aproveitadas principalmente por aqueles que assumiram a prefeitura em 2005."

O quadro foi amplamente favorável porque a mudança tributária veio justamente num momento de crescimento econômico. De 2001 a 2004, período da gestão anterior, o Produto Interno Bruto (PIB) do setor de serviços cresceu 11,3% enquanto de 2005 até o primeiro semestre de 2008 a elevação foi de 18,5% "Paralelamente, nos últimos cinco anos as prefeituras seguiram o exemplo da União e dos Estados, aperfeiçoando a fiscalização e tornando a arrecadação mais eficiente", diz Khair.

Além do ISS puxando a arrecadação própria dos municípios, houve um aumento das transferências dos Estados e da União. Da parte dos governos estaduais, os repasses aumentaram por conta do bom desempenho de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), cobrado sobre a venda de automóvel e que tem metade do recolhimento destinado ao município em que o carro foi emplacado.

Do lado da União, houve o reajuste da tabela de procedimentos do SUS em outubro de 2007, que superou o concedido nos quatro anos anteriores. O dinheiro adicional para a saúde deve surtir efeito principalmente este ano. Segundo informou o ministério da Saúde, o reajuste de 2007 consumiu recursos adicionais de R$ 1,2 bilhão. Além disso, os repasses obrigatórios do governo federal via Fundo de Participação dos Municípios (FPM) porque o principal tributo que o alimenta, o Imposto de Renda (IR), teve um aumento de arrecadação maior que o aumento médio no recolhimento total de tributos da Receita Federal. De 2004 a 2007, a participação do IR na arrecadação da União aumentou de 34,58% para 37,13%.