Título: Rumo ao desconhecido
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/10/2008, Investimentos, p. D1
Quando todos esperavam uma trégua na crise externa por conta da aprovação pelo Senado americano do plano de socorro aos bancos, a coisa piorou de vez ontem no mundo. O receio de novas quebras de instituições financeiras e de uma recessão mundial fez os investidores correrem para os títulos americanos, puxando o dólar no mercado internacional e derrubando as commodities e as bolsas de emergentes no caminho. Com isso, o tom dos mercados voltou a ser de alto risco e a recomendação voltou a ser de mais proteção diante da grande incerteza sobre o que está por vir.
Mesmo os otimistas que sobraram indicam ao investidor com dinheiro buscar as opções mais conservadoras possíveis, em renda fixa atrelada ao juro diário - fundos DI ou LFTs. E quem já está com suas aplicações feitas, que continue com elas, ao menos até que o cenário se aclare. Sair da bolsa neste momento, por exemplo, pode significar perder uma recuperação, mesmo que parcial, que pode ser tão rápida quanto a queda, dizem analistas.
Todos os analistas reconhecem que movimentos como os de ontem, de queda de 7,34% do Índice Bovespa e de alta de 5,03% do dólar, são irracionais, provocados pela necessidade de grandes investidores estrangeiros - os fundos hedge - de venderem ativos a qualquer preço para cobrir os fortes resgates em suas carteiras. Mas temem que a instabilidade que vem dominando os mercados desde o mês passado continue.
Desde o agravamento da crise de confiança nos EUA, a busca por proteção em ativos dolarizados fez o índice de matérias-primas CRB Reuters cair 16,16%, quase a mesma perda do Ibovespa no período, de 17,12%. Já o dólar no Brasil acumula alta de 23,72%, também reflexo da alta da moeda no exterior e da saída dos investidores estrangeiros em busca de proteção. "Só tem vendedor, ninguém está com coragem de comprar; apesar dos preços baixos, todos estão céticos com a demora do Congresso e curiosos com o "day after"", diz um executivo de um banco local.
O momento é de ficar com o máximo de dinheiro em caixa no juro diário dos DIs ou das LFTs, longe de bolsa e câmbio, arriscando talvez um pouco em renda prefixada apenas, afirma Guilherme Figueiredo, gestor da M. Safra & Co. Titular assumido do time dos pessimistas, ele alerta que os investidores ainda vão ter muitas emoções. "Vamos começar a resolver os problemas financeiros dos bancos, mas os econômicos ainda nem começaram a aparecer, e quando começarem a coisa vai ser feia", diz ele, que acredita que esta fase aguda da crise ainda pode durar muito tempo.
E isso deixa a bolsa de valores sem horizonte, "mesmo que algumas quedas tenham sido exageradas pelo fato de as pessoas estarem saindo do risco a qualquer custo", diz. Para ele, essas vendas devem continuar por conta do processo de desalavancagem internacional, que começou com os bancos e agora está chegando aos fundos hedge, que tiveram resgates gigantescos nas últimas semanas. "E isso contamina os mercados, a situação é bastante delicada", alerta.
Os preços atuais das ações brasileiras são um bom ponto de compra, mas isso somente para quem tem visão de longo prazo, afirma Rogério Santos, superintendente de private banking do Banco Votorantim. "As empresas brasileiras são sólidas, com certeza é um ponto de compra", diz. Mas, para o curto prazo, o cenário é de alto risco. "O volume da bolsa caiu, a instabilidade é enorme e não há tendência clara."
A aprovação do pacote de socorro aos bancos pela Câmara dos Deputados dos Estados Unidos é a única salvação para segurar as bolsas mundo afora, afirma Marcelo Lima, estrategista da Unibanco Corretora. "Vai haver uma desaceleração econômica mundial mais forte, as companhias vão crescer menos do que se previa há seis meses e o Ibovespa vai ficar em níveis mais baixos, mas a aprovação do pacote teria poder para estabilizar o mercado e também estabelecer um piso para as ações", avalia.
Nesse primeiro momento, segundo Lima, o importante é ter um plano de resgate, uma definição de rumos para que o investidor tenha tranqüilidade para refazer suas contas e, com isso, perceber que as ações, especialmente de mercados emergentes, ficaram muito baratas. Dá para esperar o retorno de investidores estrangeiros para as bolsas de emergentes, mas de forma bastante cautelosa e lenta, diz. "Como a queda das bolsas foi exagerada, podemos ver até um pequeno rali no curto prazo."
A recuperação mesmo não chega antes de um ano, acredita o estrategista da Unibanco. Os investidores só voltarão com força quando o mercado de crédito nos Estados Unidos for totalmente restabelecido, o que levará um bom tempo. Há de se analisar primeiro os desdobramentos do pacote, se ele será suficiente para reconstruir a confiança no sistema financeiro e provocar a retomada do mercado de crédito interbancário e para as empresas.
Até lá, prevalecerá a seletividade do investidor. Na avaliação de Lima, histórias de empresas mais sólidas serão privilegiadas. No topo da lista estarão companhias com múltiplos atrativos, baixa alavancagem, alta liquidez, forte geração de caixa, baixa dependência de capital e ganhos potenciais com a alta do dólar. Entre os principais exemplos, Lima destaca Petrobras, Vale e o setor elétrico.
"Mesmo refazendo as contas e revendo para baixo o valor das empresas, Petrobras e Vale estão bastante descontadas", destaca. Segundo ele, o preço da estatal hoje não considera as recentes descobertas. Levando em conta o preço atual da Vale, seu valor na perpetuidade seria zero, o que significa dizer que ela teria só mais dez anos de vida, ressalta. Já as elétricas têm baixíssima alavancagem - a Cesp é exceção, já que tem dívida em dólar -, receita em real e um cenário à frente que trabalha com falta de energia entre 2011 e 2012.