Título: Serra faz a maior aposta e sai à frente em São Paulo
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2008, Política, p. A6

Na tarde de quinta-feira, 2, o governador José Serra nem de longe parecia o político que mais tinha a perder na eleição para a prefeitura de São Paulo. Bem-humorado, Serra dava lições de matemática e cidadania a alunos da 4ª série do Ensino Fundamental em uma escola da periferia. Bem diferente do Serra que chegou na última hora, ontem, pouco antes do fechamento das urnas, para votar numa escola de alta classe média da Zona Oeste. Raymundo Costa/Valor Serra dá aula: preferência por gráficos, que "resumem a informação"

Serra atravessou o corredor de jornalistas sem dizer palavra. Parecia ter perdido a aposta que fizera na reeleição do prefeito Gilberto Kassab (DEM). Sem ter o que dizer aos jornalistas, entrou por uma porta, votou e escapou por outra. No entanto, o governador, àquela altura, era o grande vencedor do primeiro turno da eleição paulistana - líder das pesquisas, a candidatura do tucano a presidente, em 2010, teria sofrido um duro golpe se o governador tivesse perdido a aposta que fez no demista Gilberto Kassab.

Desde que assumiu o governo estadual, Serra costuma dar aulas para os alunos do Ensino Fundamental. A escola escolhida na quinta-feira foi a Província de Nagasaki, localizada no Jardim Brasil, na Zona Norte da capital. A maioria dos 946 alunos é proveniente de famílias de baixa renda, com baixo índice de escolaridade. O bairro fica em uma área da periferia de São Paulo considerada de alta periculosidade - é a região com a segunda maior concentração de tráfico de drogas na Capital. Serra abriu a primeira parte da aula às perguntas dos estudantes.

Os alunos, na faixa dos 10, 11 anos, começaram com desenvoltura. Após algumas perguntas exploratórias sobre educação, material escolar, entre outras, uma das alunas falou de política: "O que o senhor achou dos 33 milhões de votos que teve na eleição para presidente da República"? Serra sorriu: "Eu achei bom. Só achei ruim que eu perdi", respondeu. "Eu disputei sete eleições e perdi três", prosseguiu, antes de expor a moral da história: é uma escolha pessoal ser candidato. "Ninguém pede para você ser candidato", e, candidato, "precisa ter humildade na vitória e altivez na derrota", declarou.

Gustavo Lourenção/Valor Serra vota: silêncio mesmo quando aposta em Kassab se confirmava Muito antes de a gestão de Kassab alcançar os atuais 48% de aprovação, Serra teve uma conversa com o ex-governador Geraldo Alckmin, que então liderava as pesquisas e reivindicava a indicação do PSDB para disputar o posto. Disse-lhe que as duas candidaturas (a dos tucanos e a do Democratas) correriam na mesma faixa, dividindo o eleitorado, que Kassab estava com a gestão bem avaliada (à época, 37%) e que a tendência, portanto, era a sua reeleição. Segundo tucanos ligados a Serra, o fato de Alckmin ter insistido na candidatura ficará como um dos grandes mistérios da eleição de 2008.

Em seus deslocamentos, feitos de helicóptero para fugir ao trânsito engarrafado da cidade, pelo menos uma vez Serra foi surpreendido enquanto olhava para o paredão de prédios da megalópole e filosofava: "Eu não me lembro do nome do autor, mas é como o título daquele livro: em São Paulo, tudo que é sólido se desmancha em semanas".

Não apenas Serra, mas tucanos da própria rede de relações políticas e pessoas do ex-governador tentaram convencê-lo a apoiar Kassab e se preservar para a disputa de 2010, quando seria - segundo se argumentava - uma espécie de candidato natural do PSDB ao governo do Estado. Alckmin deixou o governo bem avaliado e as pesquisas o apontavam como uma boa aposta para 2010, em São Paulo. Além disso, nos cenários que se traçam para a sucessão presidencial, Serra vai precisar de um nome forte em São Paulo quando deixar o governo para disputar o lugar de Luiz Inácio Lula da Silva.

"Como foi sua infância?", quer saber Igor. "Movimentada", responde Serra. "Eu era briguento, era considerado muito falador", responde Serra, para desespero da professora Maria Elza. Nunca passava de 40, em nota de comportamento, mas era bom nas matérias. Hora de voltar à atividade curricular. Serra ensina os alunos o que é um gráfico, formado pela coordenada (a linha vertical) com a abscissa (linha horizontal). Serra adora um gráfico, "um desenho que resume a informação", explica.

Pouco antes, Serra distribuíra pequenas caixas de madeira aos alunos. "Quem for Palmeiras coloque sua caixa sobre a mesa" - palmeirense, ele mesmo resolver inchar a estatística de time, colocando mais uma caixinha. Resultado: Corinthians 18 alunos, São Paulo nove, Palmeiras cinco e Santos dois. Distribuídos pela coordenada e a abscissa está pronto o gráfico. "Um tipo de gráfico", avisa. Outro é o da população de São Paulo - que cresceu sete vezes entre 1940 e 2008.

"Numa olhada só, sabemos tudo", ensina. Mas no gráfico de Serra há uma pequena alteração no meio do período: "O que significa essa corcova?". Ele mesmo responde: "Significa que está crescendo menos. É como um carro que está desacelerando". Do gráfico Serra passa à tabela, "outra coisa importante". Mais uma vez recorre ao futebol, assunto que pretende a atenção dos alunos, mostrando o crescimento das torcidas dos principais times brasileiros entre 1983 e 2008. A tabela também tem duas entradas, mas o governador não deixa a menor dúvida aos alunos da escola Província de Nagasaki sobre qual é sua preferida: "O gráfico é mais prático do que olhar as tabelas", disse.

Outro aluno quer saber se o governador "jogava bola" quando era menino. Serra diz que sim, mas que não era "um craque", como fora sugerido na pergunta. "Eu tinha três preocupações: ir bem na escola, namorar e jogar bola", mas que só aos 13 se deu conta de que era alto, portanto, podia jogar bem como zagueiro. "Garanto que o meu pé esquerdo é melhor do que o pé direito do Denilson", disse, referindo-se ao jogador hoje no Palmeiras, capaz de incríveis malabarismos com o esquerdo, mas incapaz de uma jogada simples com o pé direito. É pela esquerda que Serra tenta construir um discurso presidencial, mas é a direita que deve assentar as bases de sua candidatura presidencial.

A vitória de Serra em São Paulo será completa, se Kassab vencer Marta Suplicy, no segundo turno, como indicam as últimas projeções dos institutos de pesquisa. Kassab é a zebra na qual o governador paulista apostou. O pior que podia acontecer a Serra era o atual prefeito perder para Alckmin e não ir para o segundo turno, mas se Kassab perder para Marta ele também será acusado de ter dividido o partido em troca de nada. Uma oportunidade aos que se opõem a sua candidatura a presidente, um movimento que tucanos supõem que começará pelo Ceará, com o senador Tasso Jereissati, que em duas eleições passadas apoiou a candidatura presidencial do deputado Ciro Gomes (PSB).

Se Kassab vencer, Serra passa a contar com a capacidade de articulação do prefeito de São Paulo junto a outros partidos. A começar pelo Democratas, que abriu mão da indicação do candidato a vice na chapa de Serra em troca do apoio do governador ao prefeito, mas passa também pelo PMDB de Orestes Quércia. É certo: reeleito, Kassab vai governar com os tucanos, mas também levar outros partidos para a prefeitura, especialmente os pemedebistas. Trata-se de uma costura que tem como objetivo de longo prazo levar o PMDB para a candidatura do governador paulista. Todo ou pelo menos a metade.

Os alunos da escola Província de Nagasaki querem saber como ele se sente sendo governador. "Contente, por poder fazer as coisas, e, às vezes, tenso por não acontecer na proporção que a gente queria", é a resposta. É a vez de Sara falar: gostaria que o atendimento dos hospitais fosse mais rápido. Serra, que numa pergunta anterior explicara a divisão de tarefas dos três níveis do Executivo (federal, estadual e municipal), aproveita para mostrar que dois terços das pessoas que procuram não necessitam necessariamente de tratamento hospitalar - daí o governo estar optando por centros de c consulta.

As aulas de Serra falam muito dos modos e métodos de José Serra. Meninos e meninas querem saber de educação, saúde, segurança, perguntas surgidas em momentos diversos da aula. "Esse é um problema que sempre tem o governo: prioridade" - explica o tucano. "E o que é prioridade? Você tem cinco coisas para fazer e tem que começar por uma delas". Os alunos falam sobre a qualidade do material escolar e um deles quer saber por que não há livros individuais, que eles possam levar para casa. O governador demonstra surpresa. Depois se lembra de um embate travado com a associação dos professores, que seria controlada pelo PT, que chegou a queimar livros em praça pública.

Serra fala: "Tem uma coisa que se chama Orçamento. É assim: receita (ICMS, IPVA, etc) e as despesas (custeio, investimentos em escolas, estradas). Tem que bater uma coisa com a outra. É preciso escolher direito o que fazer (as prioridades) e gastar o menos possível". A hora-aula passa rápido. Vários alunos ainda levantam o indicador pedindo para fazer perguntas. "Como o senhor começou a fazer política"?

O governador conta da importância que a leitura, especialmente a leitura de jornais, teve para sua formação. "No meu tempo a gente lia mais jornal porque não tinha televisão. Tinha uma só na rua toda". Contam na família que aos quatro anos ele dizia: "Eu quero ser presidente da República. Como a gente vai saber? Eu não me lembro. Depois, na escola, gostava de fazer discurso. Num 7 de setembro eu fiz um que falava em grilhões".

Terminada a aula, uma grande aglomeração assiste, mais ao longe, a saída de Serra da escola do Jardim Brasil. Um grupo de garotos, mais afoitos, se aproxima. Fotos com o celular. O governador outra vez usa o futebol para imediatamente encurtar a distância. Um dos meninos se identifica como torcedor do Corinthians. Serra, um palmeirense, diz que torce muito pela volta do Corinthians da segunda para a primeira divisão do campeonato brasileiro. "É para o Palmeiras poder ganhar do Corinthians".