Título: Todos querem a LCA
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Fonte: Valor Econômico, 06/10/2008, Investimentos, p. D1

Com o agravamento da crise financeira americana neste ano, que transformou os mercados num verdadeiro turbilhão, uma aplicação em especial vem sendo disputada por investidores da alta renda: as Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs). Além de oferecer uma remuneração bastante atrativa para os dias de hoje, o risco está entre os mais conservadores. Renda fixa sim, emitida por bancos como no Certificado de Depósito Bancário (CDB), mas com lastro em financiamentos ao agronegócio, setor responsável por sucessivos recordes de produção no país. Apesar do volume ainda pequeno, as LCAs foram alvo de um verdadeiro "boom" nos últimos meses.

Desde o fim do ano passado, o estoque de LCAs registrado na Cetip mais do que triplicou, passando de R$ 2,137 bilhões em dezembro de 2007 para R$ 6,996 bilhões no último dia 3. Já no Sistema de Registro de Custódia de Títulos do Agronegócio (SRCA), da BM&FBovespa, o crescimento é ainda mais expressivo - até por conta da base menor. O saldo saltou de R$ 263 milhões para mais de R$ 2,9 bilhões no período.

A LCA, que foi regulamentada há apenas quatro anos, nada mais é do que um título de crédito que representa uma promessa de pagamento em dinheiro. Assim como no CDB, o prazo do papel e a remuneração a ser paga ao investidor são negociados diretamente com o banco emissor. Não por acaso, as LCAs são conhecidas no mercado como o CDB do agronegócio.

A grande vantagem da LCA, segundo o diretor-geral da Cetip, Antonio Teixeira, é a isenção do pagamento de Imposto de Renda (IR) sobre o ganho de capital para a pessoa física. Também não há incidência de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), nem para pessoa física, nem para a jurídica.

Com o benefício fiscal, o retorno da LCA acaba superando a taxa paga por CDBs, emitidos até pelo mesmo banco, ou seja, com o mesmo risco, diz o superintendente do Votorantim Private Banking, Rogério Santos. Segundo o executivo, a LCA oferece, em média, 88% do CDI (juro interbancário). Isso equivalente a um CDB contratado por dois anos com taxa bruta de 103% do referencial, já que é preciso descontar a alíquota de IR, de 15% neste caso. Não é a toa que a pessoa física é a maior compradora de LCA, afirma Teixeira, da Cetip.

No Itaú, segundo o diretor de investimentos do private, Paulo Corchaki, há emissões de LCA que saem com taxas entre 90% e 92% do CDI, o equivalente a uma remuneração bruta de 105% a 107% do referencial. "Um retorno bastante atraente se comparado ao CDB", diz. Especialmente se levado em conta que o CDB para o cliente private dificilmente oferece taxa superior a 103%, 104% do referencial.

"Num mercado ruim para multimercados e para a renda variável, uma aplicação que paga mais que o CDI sem o risco direto de mercado acaba atraindo muitos investidores", destaca Santos, do Votorantim. No banco, dos R$ 10 bilhões de ativos sob gestão no private, R$ 1,5 bilhão está em LCA. Do estoque total do mercado, que beira os R$ 10 bilhões, a participação de mercado do Votorantim gira em torno de 15%. "Pouco antes do estouro da crise, em agosto do ano passado, nosso estoque era de R$ 200 milhões."

Dois anos atrás, não havia demanda por produtos diferenciados, afirma o sócio-gestor da consultoria TAG Investimentos, Marcelo Pereira. "Os multimercados estavam bombando e pagando muito acima do CDI". Hoje, destaca, o investidor quer segurança.

Para Corchaki, a LCA é a grande aplicação do momento. O Itaú, conta o diretor, só começou a trabalhar com o título no início deste ano. "Apesar do risco baixo, 106% do CDI não era atrativo no início de 2007", destaca. Na sua opinião, este tipo de investimento tende a ganhar espaço hoje por ser mais conservador (o risco é o banco emissor) e ainda assim pagar uma taxa acima do CDI.

Também não dá para desconsiderar que a maior necessidade de caixa dos bancos teve papel importante no aumento das emissões, já que elas servem para levantar recursos. Assim como passaram a pagar taxas melhores neste ano nos CDBs porque precisavam de dinheiro para dar continuidade à expansão de suas carteiras de crédito, as instituições financeiras atuantes no crédito ao agronegócio viram no negócio uma alternativa de captação. Apesar da obrigação do pagamento ser do banco emissor, a LCA precisa ter lastro em financiamentos ao agronegócio. "O investidor tem garantia dupla; a primeira é a do banco emissor, mas, se ele quebrar, o investidor ainda tem o contrato que representa a dívida do produtor rural (o próprio recebível)", afirma Santos, do Votorantim.

Qualquer tipo de financiamento agrícola pode ser lastro de LCA. Um lastro bastante comum é a Cédula de Produto Rural (CPR), emitida por produtores rurais ou cooperativas de produção, que vendem a termo sua mercadoria. O produtor recebe o valor da venda à vista mediante compromisso de entrega do produto numa data futura previamente estipulada. No Votorantim, os empréstimos são estruturados na forma de Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCAs), que são emitidos por cooperativas e pessoas jurídicas que atuam no armazenamento, comercialização, beneficiamento ou industrialização de insumos e de máquinas agrícolas, em troca de recursos. O banco assume o risco do tomador e usa o certificado como lastro para a LCA.

Tanto a CDCA como a CPR podem ser negociadas diretamente no mercado, mas o investidor pessoa física tem preferência pela LCA. "O fato de a LCA ser emitida por um banco dá mais conforto para o investidor, já que ele está mais familiarizado com o risco", diz Corchaki, do Itaú.