Título: Classe média puxa votação de Gabeira
Autor: Grabois, Ana Paula; Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2008, Política, p. A10

Em uma disputa acirrada, o deputado Fernando Gabeira (PV) passou à frente de Marcelo Crivella (PRB), na disputa pela Prefeitura do Rio, e vai para o segundo turno com Eduardo Paes (PMDB). Com 99,96% dos votos apurados, Paes, candidato do governador Sérgio Cabral (PMDB), obteve 31,98% dos votos válidos, seguido por Gabeira, com 25,61%. Crivella recebeu 19,06% dos votos. Jandira Feghali (PCdoB) teve 9,79%, e Alessandro Molon (PT), 4,97%. Solange Amaral (DEM) ficou com 3,92%, Chico Alencar (P-SOL) obteve 1,81% e Paulo Ramos (PDT), 1,8%.

Gabeira foi beneficiado por uma onda de opinião pública, puxada pela classe média, que nas últimas duas semanas reverteu um segundo turno praticamente certo entre Crivella e Paes. A mudança do quadro deve-se principalmente à forte rejeição a Crivella, senador do PRB e bispo licenciado da Igreja Universal. Ele já havia sido objeto de movimento semelhante nas eleições de 2004, quando o voto útil em Maia, para tirar o evangélico da disputa, acabou decidindo a eleição no primeiro turno.

Crivella chegou a liderar as pesquisas eleitorais, mas foi perdendo força ao longo da campanha. Na véspera da votação, Crivella e Gabeira estavam empatados tecnicamente, mas a votação não interrompeu a trajetória ascendente do candidato do PV, que acabou virando o jogo. A candidata Jandira Feghali (PCdoB) também foi afetada pelo voto útil contra Crivella em Gabeira, e obteve votação aquém do que mostravam as pesquisas no início da campanha.

Paes afirmou que vai buscar o leque de alianças mais amplo possível para o segundo turno. "Vou conversar com todos os candidatos, o senador Crivella, Jandira, Molon e Paulo Ramos. São pessoas que respeito e admiro", disse Paes.

O grande desafio de Gabeira, diz o cientista político da Universidade Estadual do Estado do Rio de (UERJ) Geraldo Tadeu Monteiro, será chegar às camadas populares do eleitorado da cidade, onde Paes já possui votos. Gabeira disse que vai centrar esforços na Zona Oeste, onde sua votação foi a mais baixa, de 13%, e onde se concentra o eleitorado de baixa renda da cidade.

A tendência é que Gabeira fique com poucas alianças no segundo turno. O PT, por exemplo, deve apoiar Paes, candidato do governador aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Pode ter certeza que não vamos apoiar Gabeira de jeito nenhum", disse o presidente municipal do PT no Rio, Alberes Lima. O PT, que participa do governo Cabral, se reúne nesta semana para formalizar o apoio. O PSB, que coligou com Jandira no primeiro turno, tende a apoiar Paes, pois participa do governo Cabral. O PCdoB de Jandira Feghali, deve, no mínimo, liberar seus eleitores no segundo turno.

Gabeira, no entanto, está de olho no eleitor que votou em Jandira, Molon e Chico Alencar, candidatos de partidos do campo de esquerda. O candidato do PV acredita que o eleitor dos perdedores no primeiro turno podem não seguir a recomendação dos partidos. "O processo do segundo turno não será a busca para acrescentar letra à minha coligação, mas buscar apoio dos eleitores", afirmou.

Apoiado pelo PSDB e pelo PPS, Gabeira terá o desafio de não nacionalizar as eleições. "Isso implicaria em colocar Lula e PT contra ele. Embora ele seja se um partido da base, está com o PSDB, o que é um pecado para PT", afirmou o cientista político da UERJ. Ontem, o prefeito Cesar Maia (DEM), que não conseguiu colocar sua candidata, Solange Amaral, no segundo turno, sinalizou apoio a Gabeira. Com isso, pode receber mais votos na Zona Oeste, onde Maia tem base eleitoral. O DEM se reúne esta semana para definir quem apóia.

Os eleitores de Crivella, aposta Monteiro, devem votar em Paes. "O eleitor evangélico do Crivella não vota no Gabeira", disse. Os evangélicos representam cerca de 25% do eleitorado do Rio. Gabeira, ex-guerrilheiro, é a favor da liberação da maconha e do aborto, bandeiras que desagradam o eleitor conservador, lembra Monteiro.

A tendência é que o presidente Lula apóie Paes, mas há dúvidas quanto ao empenho do presidente, pois Paes fez oposição ao governo do PT quando foi relator da CPI dos Correios. "É pouco provável que o Lula se envolva, a não ser que o Cabral peça. É preciso ter muito cuidado com isso porque ele pode perder e o presidente não morre de amores pelo Paes ", disse Monteiro. Gabeira, ex-petista que saiu brigado do partido, tem dito que não pretende ser "anti-Lula" e que quer governar em parceria com os governos estadual e federal.

O governador Cabral, que tentará a reeleição em 2010, deve trabalhar com afinco por Eduardo Paes. O desempenho da maior parte dos seus candidatos na região metropolitana o desfavoreceu, como nos municípios da Baixada Fluminense, em Campos e em Niterói. Somente a capital e os municípios da região metropolitana têm 75% do eleitorado do Estado.

Na Baixada Fluminense, Cabral sofreu duas derrotas nos dois maiores municípios. Em Duque de Caxias, terceiro maior colégio eleitoral do Estado, com 571 mil eleitores, o candidato do PSDB, José Camilo Zito, venceu no primeiro turno de Washington Reis (PMDB). Até o fechamento desta edição, com 90,16% dos votos apurados, Zito vencia com 52,77% dos votos válidos. Reis, apoiado pelo governador Cabral e pelo presidente Lula, tinha 45,2% dos votos. Em Nova Iguaçu, com 525 mil eleitores, Lindberg Faria, do PT, foi reeleito no primeiro turno. Com 81,93% dos votos apurados, o petista tinha 64,98%, ante 33,6 % de seu adversário Nelson Bornier, do PMDB. Lindberg tem declarado ser candidato ao governo do Estado em 2010.

Em Campos dos Goytacazes, a ex-governadora do Rio Rosinha Matheus (PMDB), mulher do ex-governador Anthony Garotinho, liderava a disputa com 67,99% dos votos apurados. Da ala pemedebista rival de Cabral, Rosinha tinha 74,81% dos votos válidos. Em segundo lugar, a professora Odete, do PCdoB, recebeu 21,74% dos votos válidos. Em Niterói, o ex-prefeito Jorge Roberto da Silveira, do PDT, volta para o cargo no primeiro turno. Dos 99,66% dos votos apurados, 60,99% foram de Silveira. Rodrigo Neves (PT), apoiado pelo governador, ficou com 22,63% dos votos. Em São Gonçalo, segundo maior colégio eleitoral do Estado, com 635 mil eleitores, foi reeleita Aparecida Panisset, também do PDT. Com 97,06% dos votos apurados, ela tinha 56,41% dos votos válidos, vencendo de Graça Matos (PMDB), com 20,65%.

A eleição do Rio recebeu tropas das Forças Armadas antes mesmo da eleição. Cerca de 5 mil homens do Exército e da Marinha ocuparam 27 comunidades devido às denúncias de pressões eleitorais exercidas por grupos ligados a milícias armadas e ao tráfico de drogas. Ontem, uma pessoa morreu e três foram baleadas em áreas onde as Forças Armadas faziam ocupação. (*Do Valor OnLine)