Título: Monumento ao desperdício
Autor: Alves, Renato
Fonte: Correio Braziliense, 21/02/2010, Cidades, p. 28

Custando três vezes mais que o preço inicial, o novo prédio da Câmara Legislativa está pronto para receber os deputados. Mas distritais adiam ao máximo a mudança

Fotos: Renato Alves/CB/D.A Press Em formato circular, prédio do plenário reflete na fachada espelhada do edifício de 10 pavimentos da nova sede: modernidade e sofisticação

A nova sede da Câmara Legislativa do Distrito Federal está praticamente pronta. Faltam pequenos detalhes no acabamento, os móveis e a vontade dos deputados distritais. Eles só não mudaram ainda por causa da repercussão do escândalo que assola Brasília desde 27 de novembro. Temem piorar a situação em função do luxo do novo prédio, que ficou quase três vezes mais caro que o estimado inicialmente. O Correio entrou no edifício. Construído de frente para o Eixo Monumental, ele tem dimensões monumentais, além de tudo para garantir o conforto dos parlamentares e seus assessores. Milionária e vazia, porém, a obra agora está mais para um elefante branco símbolo do desperdício de recursos públicos.

São 10 pavimentos, sendo três de subsolo apenas para estacionamento privativo, com mil vagas. Ao todo, 48 mil metros quadrados de área construída. Cada um dos 24 gabinetes conta com 90 metros quadrados, mais que a maioria dos apartamentos de Brasília. Ainda há auditório para 500 pessoas, ao menos 12 elevadores, galeria suspensa no plenário, praça, espelhos d¿água, lanchonete, restaurante, banheiros por todos os lados. Tudo cercado de muito vidro e com o que há de mais moderno em iluminação, refrigeração e segurança.

Os gabinetes dos distritais ficam nos quatro últimos andares. No mais alto, estão os dos integrantes da Mesa Diretora. De todos é possível avistar o Eixo Monumental ou o Parque da Cidade. Nos dois primeiros pavimentos, chamados de térreo inferior e térreo superior, há amplas salas de reunião e salões para serem usados em cerimônias fechadas e públicas. No que batizaram de térreo inferior, há salas com pisos de madeira nobre, virados para a praça e os espelhos d¿água. O plenário fica em um prédio à parte, sem janelas.

O acesso ao plenário se dá pela praça ou um amplo corredor e vidro, que o liga ao edifício de 10 pavimentos. O desenho do plenário da nova Câmara Legislativa é muito parecido com o da Câmara dos Deputados. Antes de entrar nele, há um salão, igual ao Salão Verde do Congresso Nacional. Pronto, o plenário permanece fechado por grossas correntes e enormes cadeados. Mas através da porta de vidro principal se vê o piso coberto de carpete e o fino acabamento do teto.

Preço inflado Orçada em R$ 42 milhões em 2001, a obra da Câmara Legislativa já havia consumido mais de R$ 83 milhões em 2007. E chegará a R$ 120 milhões. Somente com mobília, serão gastos R$ 10,7 milhões. São 15.357 objetos, entre sofás, mesas, armários, gaveteiros, estações de trabalho, aparadores, vestiários e lixeiras. Os itens foram discriminados no edital de licitação. Uma curiosidade: há 24 distritais, mas a nova Câmara pretende equipar 36 gabinetes de deputados.

Chama atenção também o detalhamento das especificações dos itens que ocuparão as áreas internas da nova Câmara. As cadeiras em que vão se sentar os distritais também estão muito bem explicadas em 13 tópicos. Entre eles, que o material será em couro natural, com encosto de cabeça independente e tela antitranspirante, além de contra-assento com proteção em plástico injetado, braços cromados ou em alumínio com regulagens de altura e de abertura, apoia-braços em poliuretano, regulagem de tensão do encosto, base de alumínio com cinco patas, pistão a gás cromado. Os servidores também terão um item para conforto. Serão comprados mil apoios para pé com três estágios de altura. Onze empresas foram escolhidas para fornecer o material.

A nova sede acarretará em aumento no número de servidores responsáveis pela vigilância. Segundo a instituição, isso ocorrerá porque a área da sede vai praticamente triplicar, passando de 18 mil metros quadrados do atual prédio na Asa Norte, para 48 mil metros quadrados na nova Casa. Além de aumentar a quantidade de servidores responsáveis por manter a Câmara limpa e segura, a direção do Poder Legislativo candango tomou a decisão de terceirizar esse tipo de mão de obra. Vale lembrar que três dos deputados distritais são donos de empresas de vigilância e limpeza, inclusive Leonardo Prudente (sem partido), que renunciou à Presidência da Câmara. Todas as firmas prestam serviços ao Governo do Distrito Federal.

Planos desfeitos Assim com fizeram com os pedidos de impeachment do governador José Roberto Arruda (sem partido), os deputados distritais têm protelado a mudança para a nova sede da Câmara Legislativa. O sorteio dos gabinetes estava marcado para 2 de dezembro, com a presença de Arruda. Em 15 de dezembro, a nova sede abrigaria a última sessão do ano da Câmara Legislativa, quando os deputados votariam o orçamento do GDF para 2010. A inauguração oficial do prédio seria em 2 de fevereiro, com a mudança definitiva dos parlamentares e todos os funcionários.

Mas tudo foi desmarcado após a divulgação em série dos vídeos de autoria do ex-secretário de Assuntos Institucionais do GDF Durval Barbosa. Oito dos 24 deputados aparecem recebendo dinheiro de suposto esquema de propina. Todos os 19 parlamentares da antiga base de Arruda estão sob suspeição, devido aos depoimentos de Durval. Agora, o novo presidente da Câmara Legislativa, Wilson Lima (PR), diz que o novo prédio pode ser inaugurado em 1º de maio. ¿Mas, antes, vou me reunir com todos os deputados¿, ressalta. Para ele, não há problema algum nos custos do nababesco edifício. ¿Aquela Casa é do povo. O povo merece estar num local confortável.¿

Memória Obra problemática

Iniciada na gestão do hoje senador Gim Argello (PTB) como presidente da Casa, em 2001, a obra da nova sede da Câmara Legislativa foi durante muito tempo apenas um esqueleto às margens do Eixo Monumental. A construção ficou paralisada entre 2005 e 2008. Faltou dinheiro e sobraram questionamentos na Justiça. Engenheiros chegaram a condenar a estrutura do prédio que, em função da exposição por tanto tempo sem acabamento, poderia ter sido comprometida.

Durante a presidência de Alírio Neto (PPS), no entanto, os deputados se mobilizaram para retomar a obra. Em 2007, para tentar apressar a conclusão do prédio, Alírio fez um acordo com o governador José Roberto Arruda (DEM), pelo qual entregou ao Executivo o papel de fiscalizar a construção e realizar novo processo licitatório. Cláusulas do novo edital foram questionadas pelo Tribunal de Contas do DF, mas as pendências acabaram sanadas.

No orçamento para 2008, os distritais aprovaram uma emenda da Mesa Diretora que destinou R$ 24 milhões para a conclusão do prédio. O dinheiro foi retirado do limite de emendas a que os deputados tinham direito, graças a um acordo fechado entre os parlamentares nas vésperas da votação.

Enquanto os parlamentares locais se comprometeram com uma parte para finalizar a obra, o GDF injetou o restante do dinheiro para terminar a sede da Câmara. A obra, então, foi retomada no ano passado e, hoje, está praticamento concluída, ao custo de R$ 120 milhões.

Imóvel cedido O prédio onde funciona a Câmara Legislativa atualmente, no fim da Asa Norte, tem 18 mil metros quadrados e é cedido pela União. Para utilizar o espaço, o Poder Legislativo apenas paga a conta de água e luz. Com a mudança dos distritais, é provável que o governo local reivindique o ponto.