Título: Equilíbrio fiscal ganha mais importância na crise
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Fonte: Valor Econômico, 06/10/2008, Opinião, p. A18

O contágio da crise financeira internacional sobre a economia brasileira era previsível. A transmissão ocorre principalmente pelo canal do crédito, que se tornou escasso e caro. Outros efeitos visíveis são a forte desvalorização do real frente ao dólar e a fuga de investidores, estrangeiros e brasileiros, do mercado de ações e de outros ativos.

Na semana passada, levantamento feito pela empresa de consultoria Economática mostrou que, das 100 companhias que mais perderam valor nas bolsas de valores das Américas entre 31 de dezembro de 2007 e 30 de setembro de 2008, 31 são brasileiras. Delas, oito são construtoras e incorporadoras que abriram o capital na recente onda de IPOs (sigla inglês de oferta pública inicial).

Esses números não significam que o Brasil está no centro da crise. Mas hoje já não se pode afirmar que a economia possa ignorá-la. Graças a fundamentos sólidos que garantem a solvência das contas públicas e externas, o país mostra que tem condições de atravessar o vendaval, embora não escape ileso.

Já há quase um consenso entre os especialistas de que o ritmo de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano será reduzido de forma significativa. Desde o último trimestre de 2007, a economia brasileira vem expandindo à taxa anualizada de 6%. Antes mesmo de 11 de setembro, período mais agudo da crise internacional até agora, já se esperava uma desaceleração, mas, recentemente, surgiram previsões de expansão inferior a 3% em 2009.

O governo ainda acredita que o PIB poderá crescer entre 4% e 4,5% no próximo ano, ante os 5% projetados originalmente. É dever de ofício das autoridades, exceto as do Banco Central (BC), vender otimismo num momento delicado como o atual, uma vez que os tomadores de decisão no setor privado prestam atenção ao que diz o governo, mas não é razoável apostar no que está sendo dito. Em áreas mais conservadoras da administração, o que se diz é que o crescimento possível em 2009 deverá ficar entre 3% e 3,5%. Por outro lado, crescer abaixo disso seria admitir que haverá recessão, o que não plausível - apenas o efeito de carry over de um ano para o outro garantirá alta de pelo menos 2,7% do PIB.

O esfriamento da economia, ainda não detectado pelo BC, conforme o relatório de inflação divulgado semana passada, vai resultar do aperto monetário em curso e, muito provavelmente, dos efeitos da crise internacional no Brasil. Por causa da turbulência e dos bilionários prejuízos que vêm sofrendo, bancos americanos e europeus pararam de emprestar a quem quer que seja.

Do volume de crédito oferecido no mercado brasileiro, apenas 8% é originado em recursos que vêm do exterior. Em 2002, a dependência de funding externo era muito maior - cerca de 25%. Em tese, a interrupção dos fluxos vindos de fora afetaria pouco o país. Ocorre que a maior parte do dinheiro captado no mercado internacional financia operações de comércio exterior. Nesse segmento do mercado, portanto, a escassez de crédito é uma realidade.

Há um problema adicional. Ressabiados com a crise lá fora, os bancos brasileiros decidiram emprestar dinheiro apenas às grandes corporações. Os spreads cobrados hoje estão de duas a cinco vezes mais altos do que nas semanas anteriores à crise, mas o mercado está funcionando. A aversão do setor bancário a risco cresceu de forma considerável e poderá ter algum efeito. Dadas as boas condições macroeconômicas, entretanto, esse cenário não deve perdurar.

Diante dessa situação, o governo não pode achar que tem condições de substituir o mercado, oferecendo crédito em lugar dos bancos, mas não pode ficar ausente do mercado. Como advertiu o economista Edmar Bacha, seria uma "receita para o desastre" compensar a contração de crédito privado, liberando recursos do Tesouro e dos bancos públicos. Medidas dessa natureza comprometeriam a posição fiscal. Seria contraproducente, por outro lado, não suprir o mercado de liquidez onde ela se faz mais necessária. O recente agravamento da crise se refletiu imediatamente no canal do crédito é preciso um manejo inteligente dos compulsórios para desobstrui-lo.