Título: Por que o FMI não está emprestando?
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Fonte: Valor Econômico, 06/10/2008, Opinião, p. A19

Um dos principais objetivos do Fundo Monetário Internacional (FMI) é "dar confiança aos membros tornando seus recursos gerais temporariamente disponíveis para estes". No entanto, seus membros deparam-se com uma volatilidade de capital cada vez maior e há um grande declínio no uso de recursos do Fundo. Ironicamente, isto ocorre em um momento no qual a instituição deveria estar concedendo empréstimos: detém liquidez de sobra e não possui quase nenhuma fonte de renda além dos pagamentos que recebe por esses créditos.

Se o FMI tivesse de se comportar dentro dos padrões do setor privado, criaria um novo instrumento para atender a demanda potencial de seus membros por liquidez de curto prazo. Infelizmente, não há motivação para se fazer isso. Até o ano passado, o Fundo costumava congratular-se por estar ficando sem clientes. Um bombeiro ocioso parecia algo conveniente. Agora, a situação mudou. Há um incêndio lá fora, mas ninguém chamou o corpo de bombeiros. Apenas a Geórgia, o que não é de surpreender, pediu ajuda.

Os possíveis captadores vêm acumulando reservas maciças regionalmente para se protegerem contra choques e capital especulativo, mas não por encorajamento do FMI. Ao contrário, acumular reservas além de certo limite traz um alto custo de oportunidade e sugere a necessidade de permitir a valorização da moeda. A implicação é que os possíveis captadores não estão absorvendo tantas importações quanto poderiam e não dependem, como deveriam, do acúmulo de reservas multilaterais que o Fundo supostamente deveria usar para "dar confiança" a seus membros.

Então, o que há de errado com o bombeiro? O modelo tradicional de dar apoio financeiro em troca do cumprimento de condições não promete muito para os países emergentes que, apesar de ter fundamentos macroeconômicos fortes, ainda precisam de auxílio para lidar com choques externos. "Dar confiança" a este tipo de cliente requer capacidade de fornecer apoio financeiro rápido, automático, significativo e concentrado; de outra forma, acumular reservas e comprometê-las em acordos regionais ainda parecerá uma opção mais confiável. O FMI, contudo, não está em condições de fornecer tal apoio.

Seu apoio financeiro é limitado a uma porcentagem das cotas dos membros, que não reflete suas necessidades potenciais de captação. Infelizmente, uma reforma recém-aprovada, apesar de ser propagandeada como uma melhora estratégica, beneficiou apenas alguns poucos e pouco demais. De acordo com a "nova fórmula de cotas", os membros que emitem moedas de reservas internacionais ainda parecem ser os que têm mais "necessidade potencial para captar" do FMI. Isso é risível.

Portanto, isso nos traz a necessidade de aumentar os limites "normais" de acesso. Em 2003-2004, possivelmente último período no qual o Fundo teve de fornecer assistência significativa aos membros, 80% do volume de apoio financeiro foi concedido em base "excepcional", o que é definido como um valor superior a 300% das cotas. Não é necessário dizer que o acesso "excepcional" chega com custos políticos e econômicos excepcionais. Não é de surpreender, então, que os membros dependam mais de sua capacidade de acumular reservas internacionais do que da capacidade de o Fundo fornecer apoio financeiro confiável, oportuno e acessível.

O Fundo não possui instrumentos para fornecer liquidez de curto prazo a países emergentes com problemas de volatilidade de capital. Na atual crise, vimos algumas reações ágeis e criativas das autoridades monetárias de economias avançadas. Intervieram além de seus mandatos para proporcionar rápido apoio financeiro a bancos de investimento, na maior parte das vezes fornecendo aos bancos privados instrumentos líquidos em troca de ativos menos líquidos e de longo prazo. Por que o Fundo não pode fazer a mesma coisa pelos bancos centrais de países em desenvolvimento e economias emergentes?

Se o FMI quiser dar liquidez de curto prazo aos membros necessitados, uma questão crucial que precisa ser resolvida é se tal assistência financeira deveria estar disponível apenas para aqueles com fundamentos macroeconômicos fortes. Critérios de qualificação estritos demais provavelmente impedirão que os membros que mais possam precisar deste tipo de apoio o peçam; mas critérios muitos folgados poderiam estigmatizar os possíveis usuários.

O Fundo poderia solucionar este dilema aplicando uma abordagem parecida à do setor de seguros. Todos os membros, em princípio, estariam aptos, mas as taxas de prêmio seriam diferenciadas e estabelecidas com base em critério quantitativo. A escala das taxas de prêmio precisaria ser transparente, mas o custo real do acesso para os membros individuais continuaria estritamente confidencial (como em qualquer contrato de seguro).

Reconhecidamente, isto requereria abandonar o tradicional empréstimo em troca de condições do Fundo. Também, alguns ajustes no regimento do FMI, mas e daí? As reformas recém-aprovadas também exigem mudanças nos "Artigos do Acordo" do FMI.

Alguns argumentam que dar aos membros um seguro de liquidez rápido e concentrado encorajaria políticas irresponsáveis ou captações imprudentes. Reconhecidamente, poderia ajudar os membros a lidar melhor com a volatilidade e, portanto, a ficarem mais abertos à entrada de capitais de curto prazo, mas esta necessidade não resulta em más políticas. Após os resgates do Northern Rock e do Bear Stearns, dar importância exagerada ao argumento do "risco moral" soaria hipócrita.

Se o bombeiro FMI continua parado, não é por falta de incêndios, mas porque os vizinhos, em vez de recorrer ao corpo de bombeiros, estão protegendo-se sozinhos. Isso mina a relevância do FMI e é a raiz dos problemas da devolução antecipada dos empréstimos à instituição, que a deixaram quase sem fonte de renda.

O FMI precisa mudar isso. O "acesso normal" deveria ser ampliado para níveis concomitantes com a necessidade potencial de captação de seus membros. Também deveria ser criada uma nova linha de liquidez para fornecer apoio financeiro confiável, significativo e concentrado. Isso faria os mercados emergentes e países em desenvolvimento considerarem o acúmulo de reservas como algo custoso e extravagante, portanto ajudando a liberar esses recursos para ajudar a economia mundial a superar a crise atual.

Hector R. Torres é diretor executivo do FMI e ex-presidente do gabinete do G-24 em Washington, DC. © Project Syndicate/Europe´s World, 2008. www.project-syndicate.org