Título: BC muda norma e espera que venda de carteiras de crédito desemperre
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2008, Finanças, p. C2

O mercado financeiro no Brasil começa a semana com reais perspectivas de que os pequenos bancos consigam vender parte de suas operações de crédito a grandes instituições e, assim, recuperar parte da liquidez, afetada pela crise internacional. Anunciado pelo Banco Central na sexta-feira, menos de 24 horas depois do texto original, o ajuste na circular 3407, que estimula esse tipo de negócio, removeu a proibição de coobrigação, motivo de hesitação dos potenciais compradores. Ruy Baron / Valor Márcio Percival Alves Pinto, vice-presidente de Finanças da Caixa: interesse no crédito concedido por bancos menores

Com a possibilidade - originalmente vedada - de que o vendedor continue respondendo por parte do risco de inadimplência dos empréstimos e financiamentos transferidos , cresce o interesse dos grandes em adquirir créditos concedidos por bancos pequenos e médios, avalia o vice-presidente de Finanças da Caixa Econômica Federal, Márcio Percival Alves Pinto. A própria Caixa, revela, tentará adquirir carteiras de outras instituições financeiras, usando o incentivo previsto na circular. Trata-se da liberação, para a instituição compradora do crédito, de até 40% do montante recolhido em compulsório sobre depósitos a prazo (hoje de 23%, se considerada alíquota adicional vigente desde 2002).

A Caixa especificamente poderá, se quiser, sacar de suas reservas obrigatórias no BC, volume superior a R$ 800 milhões para aquisição de créditos no âmbito da circular 3.407, informa Márcio Percival. Procurado, o Banco do Brasil preferiu não falar de seus planos.

A versão original da medida saiu na quinta-feira à noite e foi editada com objetivo de socorrer pequenos e médios bancos, com patrimônio de referência (PR) de até R$ 2,5 bilhões (para efeito de comparação, a Caixa tem PR de R$ 18 bilhões). Na sexta, diante dos alertas do mercado, o próprio BC deu-se conta de que a estratégia poderia surtir pouco efeito, já que a repartição de riscos, nesses casos, é a praxe entre os bancos. No mínimo, as negociações e, portanto, o processo de socorro a instituições de pequeno porte seria mais lento, já que transferências sem coobrigação exigem mais cuidado e mais tempo para precificação das carteiras. O BC decidiu, então, permitir a coobrigação, que tinha vedado apenas com objetivo de garantir um controle maior sobre o uso do incentivo. A autoridade monetária concluiu que esse controle será mais eficaz se, em vez de vedar a repartição de riscos, vedar a revenda da carteira ao banco originador dos créditos, o que foi feito na nova versão.

Durante a sexta-feira, parte do mercado chegou a prever que a circular simplesmente viraria letra morta se o BC não fizesse o ajuste. Márcio Percival acha que isso foi um exagero. Mas admite que "a mudança ajuda a fazer com que o estímulo funcione" e gere os efeitos pretendidos contra a crise. Na sua avaliação, a mudança só não fará diferença no caso de operações de crédito consignado (pagas via desconto direto no salário do tomador), que praticamente não envolvem risco de inadimplência. Mas o vice-presidente da Caixa destaca que os pequenos bancos também têm boas carteiras de outras modalidades de crédito.

Baseado justamente na boa qualidade dessas carteiras, o presidente do BC, Henrique Meirelles, manifestou ontem, em Anápolis (GO), onde vota, sua plena confiança no sucesso do estímulo representado pela liberação de parte do compulsório sobre depósitos a prazo. No limite, podem ser usados para essas aquisições até R$ 23,5 bilhões. Meirelles disse que prevê muito interesse no incentivo por parte dos grandes bancos.

Ele reafirmou que a medida adotada pela autarquia é preventiva e que a fonte da restrição de liquidez no mercado financeiro doméstico é a crise externa. Não há, segundo ele, problemas estruturais nos bancos brasileiros, nem mesmo nos pequenos.

As instituições bancárias menores foram afetadas indiretamente pela redução das linhas de crédito externo. Essa redução, segundo o Banco Central, fez com que empresas não-financeiras, sobretudo exportadoras, passassem a demandar mais crédito em reais aos bancos no Brasil. Para poder atender a essas empresas, os bancos grandes reduziram ou cortaram linhas interbancárias a bancos pequenos. Na competição por crédito mais escasso, portanto, as instituições financeiras de menor porte, que costumam captar no interbancário, acabaram virando "o elo mais fraco", definiu uma fonte do BC.

Ainda que considere que houve exagero, Márcio Percival admite que o medo de que a circular 3.407 virasse letra morta pode ter contribuído para a turbulência vista nos mercados no Brasil, na sexta-feira, apesar da aprovação do pacote americano de socorro ao sistema financeiro dos Estados Unidos. "Sexta foi um dia esquisito". Ele destaca, por outro lado, que também houve continuidade da fuga de capitais estrangeiros da bolsa, para cobrir prejuízos no exterior ou para aplicação em títulos do Tesouro dos EUA, devido ao clima de aversão a risco que tomou conta de muitos investidores.