Título: "Medida evita o drible à tributação"
Autor: Henrique Gomes Batista, Taciana Collet e Arnaldo G
Fonte: Valor Econômico, 23/02/2005, Especial, p. A16

Em meio às negociações da MP 232, que tanta reação provocou em vários setores, o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, diz que o objetivo das mudanças é simplesmente igualar a tributação das empresas, que optam pelo regime de lucro presumido, com a das pessoas físicas. O propósito é desestimular a contratação de trabalhadores "travestidos" de pessoa jurídica, prática muito comum hoje em dia no país. Nesta entrevista ao Valor, Rachid assegura que o agronegócio não terá aumento de carga tributária. O que o governo fez foi apenas instituir uma antecipação de imposto, como foi feito em vários setores. A meta, nesse caso, é combater a sonegação. "Se o contribuinte cumpre com suas obrigações, o efeito é sobre o fluxo", diz ele. O secretário reconhece que o brasileiro paga muito imposto indireto, mas não concorda que se pague muito Imposto de Renda. Segundo ele, a alíquota média efetiva do imposto, ou seja, o que é realmente arrecadado pela Receita, é algo entre 6% e 7%. Valor: O governo fará cortes no orçamento para compensar uma possível rejeição da MP 232 ? Jorge Rachid: Não. Desconheço isso. A 232 está em processo de negociação. Vamos aguardar a posição do Congresso. Da nossa parte, não vejo por que ter essa mudança até porque não há radicalismo. Valor: Em que sentido? Rachid: Estamos abertos a encontrar uma solução. O propósito da MP é reduzir basicamente o planejamento tributário, especialmente, das empresas que optam pelo lucro presumido. Por outro lado, queremos promover a retenção do IR na fonte de determinados setores da economia. Valor: Por que essa retenção? Rachid: Acreditamos que a retenção é eficaz para o combate à sonegação. A MP 232 é uma medida tributária justa porque corrige distorções e injustiças (no caso da pessoa física que se traveste de jurídica para pagar menos imposto), além de ajudar a reduzir o espaço da sonegação. Valor: Por que igualar a tributação de pessoas físicas e jurídicas? Rachid: A pressão tributária das pessoas físicas é maior que a das jurídicas. O que queremos é equilibrar isso. Hoje, talvez por questões trabalhistas, muitas empresas estão contratando pessoas físicas como jurídicas. Então, a legislação tributária precisa equilibrar essa relação. Se há um problema trabalhista, vamos resolver isso por meio da reforma trabalhista. Valor: Isso já não foi feito em 2003? Rachid: Não. Primeiro, precisamos separar o que é venda de serviços de prestação de serviços. Uma oficina mecânica, por exemplo, vende serviços. Nessa hipótese, se a empresa fatura R$ 10 mil por mês, ela tem uma base de cálculo do IR da ordem de 16%. A base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) nós estamos passando de 32% para 40%. O impacto disso é 0,72 ponto percentual sobre a receita, já levando em conta o impacto do IR e da CSLL. Valor: Essa mudança não onera as pequenas empresas? Rachid: Estamos falando de uma faturamento anual de R$ 120 mil. Uma parte das empresas que faturam isso podem enquadrar-se no Simples. Outra parte das empresas, que empregam mão-de-obra, como as empresas de vigilância, não pode ser tributada pelo Simples. De qualquer maneira, o impacto disso no custo das empresas é 0,72 ponto percentual.

"Estamos em busca de pessoas que, travestidas como empresas, estão fugindo da tributação"

Valor: E no caso das prestadoras de serviços? Rachid: Temos que dividi-las em dois grupos: as que faturam até R$ 50 mil por mês e as que faturam acima disso. As que faturam até R$ 50 mil têm IR com base de cálculo de 40%, então, elas pagam 15% de IR. Funciona assim: para um faturamento mensal de R$ 50 mil, sua base de cálculo é 40% disso, portanto, R$ 20 mil. Sobre esse lucro, aplica-se 15%. Com a CSLL, aplica-se 9%. Valor: Qual é a carga total? Rachid: A carga total, antes da MP 232, era 7,68%. Estamos indo para 9,6%. Acrescente-se a isso mais 3,65% de PIS e Cofins. Somando-se tudo, vamos passar de 11,3% para 13,25%. A diferença é de 1,92 ponto percentual. Este será o impacto nos custos, não nos preços porque no preço pode ter margem. Valor: Como fica a situação das prestadoras de serviço que faturam acima de R$ 50 mil por mês? Rachid: O aumento de imposto para essa faixa poderá chegar a 2,72 pontos percentuais, em relação ao que elas pagam hoje. Valor: Por que poderá chegar? Rachid: Por causa do limite de isenção. Quem fatura acima de R$ 50 mil por mês paga adicional de 10% a título de IR. No limite, é igual aos 27,5% (a alíquota mais alta do IR das pessoas físicas), embora ninguém pague 27,5% aqui no Brasil. A alíquota efetiva (realmente paga) é bem menor por causa das deduções e dos abatimentos. Se considerarmos as principais faixas, é algo entre 20% e 22%. Considerando-se todos os contribuintes do IR, cai para algo em torno de 6%, 7%. Valor: O aumento da tributação dos prestadores serviços não estaria contribuindo para precarizar ainda mais o emprego? Rachid: Estamos em busca de pessoas que, travestidas como empresas, estão fugindo da tributação. Se for verdade que há empresas contratando profissionais como PJ, pagando R$ 2 mil, R$ 3 mil por mês, daqui em diante um restaurante, por exemplo, contratará uma empresa de garçons. Então, o problema não é a tributação. É a legislação trabalhista. Valor: Este é o segundo movimento que a Receita faz, no governo Lula, para procurar igualar pessoas físicas e jurídicas. A preocupação é trabalhista? Rachid: Não acreditamos que as medidas estejam ajudando a precarizar o emprego. Ao corrigirem a distorção, essas medidas protegem o assalariado. Valor: Como? Rachid: Porque a pressão tributária passa a ser mesma, eliminando a vantagem da opção por ser PJ. Havendo desvantagem, as empresas passarão a oferecer mais aos prestadores de serviços só para que eles continuem sendo empresas. O problema não está na legislação tributária. O que não pode é que, por conta dessas questões, haja desvio de natureza tributária. Valor: Uma das vacas sagradas da economia hoje é o agronegócio. O que a Receita está fazendo na MP 232 não prejudica o setor?

"Com as deduções e abatimentos, a alíquota efetiva do IR de todos os contribuintes cai para 6% a 7%"

Rachid: De jeito nenhum. O agronegócio foi beneficiado. O tratamento dado a esse setor é uma preocupação grande que repercute, inclusive, na macroeconomia. O governo tem interesse nisso. Por exemplo: temos o crédito presumido de PIS/Cofins, trazendo as duas contribuições do produtor para a agroindústria. Há ainda uma série de produtos (adubos, insumos agrícolas etc) com alíquotas zero. Na área de cooperativas, também há o benefício. O que se quer neste momento é que o produtor rural recolha, na fonte, 1,5% sobre um determinado valor que consideramos resultado tributável. Valor: Por que recolher na fonte? Rachid: Quando o trabalhador recebe dez no mês, dez vão para a tabela progressiva do IR e recolhe-se um pedaço disso na fonte. Quando o produtor rural recebe dez, vão 20% para a tabela progressiva. É diferente do trabalhador. Então, o recolhimento na fonte é uma forma de acompanharmos o setor. A retenção na fonte é mera antecipação. Se o contribuinte cumpre com suas obrigações tributárias, o efeito é sobre o fluxo. Não tem aumento de carga. Agora, se ele não cumpre, vai ter um encargo maior. Valor: Chegou-se a um ponto em que a sociedade está dizendo que não agüenta pagar mais impostos. Como é gerir o Fisco nesse ambiente? Rachid: A nossa preocupação, e ela já vem de algum tempo, é que temos um limite para a carga tributária total (União, estados e municípios) - 34,8%, alcançado em 2002. De lá para cá, temos buscado insistentemente mecanismos, por intermédio da legislação tributária, para reduzir a evasão. Portanto, para aumentar a arrecadação sem aumentar a carga. Valor: Por exemplo? Rachid: Apenas a retenção na fonte do PIS/Cofins no setor de serviços nos permitiu ampliar a base de arrecadação em 30%. Isso foi feito em fevereiro de 2004. Quem paga imposto não sentiu. A arrecadação global cresceu, mas quem já pagava imposto não teve aumento de carga. Outro exemplo: fizemos a retenção de cinco milésimos na fonte das aplicações em bolsa. Adotamos também uma série de medidas internas. Valor: Na 232, o aumento de imposto não suplanta as perdas de receita que o governo terá com a correção da tabela do IR? Rachid: Não. Com a correção da tabela, a Receita perderá R$ 2,5 bilhões. Para este ano, o conjunto das medidas adotadas com a MP 232 vai gerar R$ 1,4 bilhão. Mas, além delas, temos as medidas de combate à sonegação. Acreditamos que elas nos permitirão compensar a diferença. Valor: No ano passado, quando a Receita acabou com a cumulatividade da Cofins, firmou o compromisso de que a alíquota de 7,6% poderia ser revista. Isso vai acontecer? Rachid: Vamos completar agora um ano de tributação nova da Cofins. Num primeiro momento, houve uma arrecadação maior que a esperada, e isso é natural porque havia um estoque tributado a 3%. Quando as empresas começarem a gerar estoque, a adquirir seus produtos, em vez de se creditar de 3%, vão se creditar de 7,6%. Então, o efeito é que elas vão pagar menos agora. Isso já está acontecendo com o PIS. Acreditamos que é prematuro falar em ajuste da Cofins. Dissemos lá atrás que, se houver distorção, vamos corrigir, mas não acreditamos que haja distorção. Valor: Pessoa física não paga muito imposto no Brasil? Rachid: De um modo geral, os tributos indiretos, pagos pelas pessoas físicas, são muito elevados. Eles geram uma injustiça muito grande justamente num país desigual. Por isso, o governo vem adotando medidas para desonerar o PIS e a Cofins de determinados produtos da cesta básica. Com isso, reduz-se a carga da população de baixa renda. Proporcionalmente, isso é mais relevante para os primeiros nove decis do que para o último decil da população. Devido à concentração de renda, o IR só atinge o último decil. Valor: Para população que paga IR, a carga não é elevada? Rachid: Não. O limite de isenção do IR é uma vez e meia a renda per capita no Brasil. Pelo mundo afora, costuma ser a renda per capita. Em muitos outros, como nos EUA, nem limite de isenção há. A concentração de renda gera desvios. No Brasil, apenas 6% da População Economicamente Ativa paga IR.