Título: Cartéis populares entram na mira do Ministério da Justiça
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 07/10/2008, Brasil, p. A3

Tradicionalmente voltado para o combate a infrações econômicas cometidas por grandes empresas, o Ministério da Justiça decidiu ampliar o seu campo de atuação contra os chamados "cartéis populares". O objetivo é desbaratar acordos de preços em setores sensíveis à inflação, como transportes, combustíveis, construção civil e planos de saúde. Ruy Baron/Valor

Ana Paula Martinez, da SDE: "Há cartéis que prejudicam mais os consumidores que as grandes empresas"

O primeiro cartel condenado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) envolvia grandes empresas do setor siderúrgico, como CSN, Usiminas e Cosipa. Elas foram multadas em 1999 por supostos acertos nos reajustes de aços, mas não apenas negaram a prática como conseguiram decisões judiciais impedindo a condenação.

Naquela época, outras grandes companhias chegaram a ser investigadas por supostas infrações à economia - muitas vezes por força de denúncias formuladas por concorrentes. Em alguns casos as investigações confundiam-se com disputas comerciais, como a acusação da Pepsi de que teria sofrido espionagem industrial por parte da Coca-Cola. Em outros, eram queixas de distribuidores contra grandes companhias. A Ambev sofreu algumas denúncias desse tipo e todas foram arquivadas. A Ford também foi acionada por revendedores, mas as denúncias acabaram no vazio. O resultado mais comum, nessas denúncias contra grandes companhias, era o arquivamento.

Agora, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) está ampliando o foco contra cartéis cometidos por pequenas empresas ou grupos econômicos e a maioria dos processos leva a uma condenação. Para chegar a esse resultado, a SDE conta com o apoio do Ministério Público e da Polícia Federal que passaram a organizar forças de atuação nos Estados. Nos últimos meses, pequenos comerciantes e profissionais liberais apareceram na lista de investigados por cartel e muitos deles foram condenados por acordos de preços e infrações contra a concorrência. São donos de postos de gasolina, diretores de sindicatos, administradores de planos de saúde e até taxistas. Um quadro bem diferente daquele em que apenas grandes marcas eram investigadas.

"O nosso objetivo é chegar na ponta", afirmou Ana Paula Martinez, diretora do Departamento de Proteção e Defesa Econômica da SDE. "Há cartéis em diversos setores da economia e os mais prejudicados são os consumidores e não as grandes empresas."

Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os cartéis aumentam os preços de produtos e serviços em média de 10% a 20%. É difícil estimar o dano causado pelos cartéis, mas a OCDE calcula os prejuízos em centenas de bilhões de reais todos os anos aos consumidores. São infrações que as autoridades não conseguem monitorar apenas focando as grandes empresas.

A SDE também decidiu expandir as investigações para fora do eixo Rio-São Paulo, onde tradicionalmente ficam as sedes das grandes companhias no Brasil. A secretaria tem feito operações junto com a Polícia Federal e o Ministério Público em Estados como Mato Grosso, Paraíba, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. "Estamos tentando sair deste eixo e ampliar os nossos contatos em todo o país", explicou Ana Paula. "Para nós, chegar a outros Estados é uma grande vitória."

Em João Pessoa, na Paraíba, a SDE realizou uma mega-operação contra o cartel de combustíveis e o preço médio da gasolina passou de R$ 2,74 para R$ 2,66 em um mês. Em dezembro, oito meses após o início da operação, o preço caiu para R$ 2,37. O resultado é que os consumidores deixaram de gastar R$ 32 milhões por ano em gasolina. Neste ano, a economia foi ainda maior, pois, segundo informações recentes da SDE, o preço chegou a R$ 2,17. "Nessa operação, houve um efeito direto imediato para os consumidores de combustíveis da cidade", concluiu Ana Paula.

Na investigação do cartel de combustível em Belo Horizonte, a SDE realizou, com a ajuda da PF e do Ministério Público, 25 escutas telefônicas durante quatro meses. Houve dificuldade em apurar o cartel porque os preços cobrados pelos postos variavam muito numa mesma semana. O litro de gasolina foi de R$ 2,37 para R$ 2,09 de um dia para o outro. Com isso, os postos alegaram que o preço estava baixo e não havia cartel. Mas as escutas revelaram que até as quedas de preços eram combinadas.

Essa situação levou as autoridades a realizar uma mega-operação, com 250 pessoas contra o cartel de combustíveis na capital mineira. Ao todo, foram expedidos 42 mandados de busca e apreensão e realizadas 24 prisões temporárias em residências, escritórios, postos de combustíveis, sindicatos e distribuidoras de Belo Horizonte. A operação foi batizada de "Mão Invisível", numa referência a Adam Smith, o teórico que, em "A Riqueza das Nações", explica como a concorrência força o preço dos produtos para baixo, até níveis que correspondem ao custo de produção.

Hoje, a SDE investiga 130 cartéis de combustíveis espalhados pelo país. O setor representa um terço do total das denúncias recebidas pelo Ministério da Justiça. Já foram realizadas operações em Cuiabá, no Mato Grosso, e Londrina, no Paraná.

Outros setores, em regiões fora do eixo Rio-São Paulo, também estão sob a mira das autoridades antitruste. No fim de agosto, a SDE abriu processo administrativo para apurar um suposto cartel nos setores de prestação de serviços de vigilância, limpeza, transporte e informática no Distrito Federal. Ao todo, 23 empresas de Brasília que prestam serviços terceirizados estão sendo investigadas.

No setor de planos de saúde, as investigações da SDE já levaram a 60 condenações no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), responsável por julgar e punir os cartéis. Aqui, a principal reclamação é contra as cláusulas de exclusividade imposta pelas operadoras que impedem o acesso de concorrentes aos seus médicos cooperados.

No ano passado, o Cade condenou empresas do setor de frigoríficos, de prestação de serviços de vigilância e de comercialização de vitaminas. Neste ano, foram abertas investigações no setor de transporte de cargas aéreas e de telefonia celular.

A expansão da política de combate a cartéis teve início com a criação de mecanismos mais sofisticados de investigação, como buscas e apreensões e acordos de leniência - uma espécie de delação premiada na qual um integrante do cartel confessa o crime em troca de redução de pena. Até setembro deste ano, houve 57 ações de busca e apreensão contra empresas suspeitas de participação em cartel. No ano passado, foram 84 ações deste tipo. Para popularizar essas ações, o ministro Tarso Genro vai lançar amanhã o Dia Nacional de Combate a Cartéis. Será 8 de outubro, numa homenagem à data em que foi assinado o primeiro acordo de leniência, em 2003, quando uma empresa de segurança privada do Rio Grande do Sul decidiu denunciar seus concorrentes por cartel. Foi também o ano da primeira operação de busca e apreensão. A "vítima" foram empresas de pedra britada para construção civil. Elas foram condenadas pelo Cade em 2005