Título: Queda fica para trás
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 03/02/2010, Economia, p. 10

Depois de registrar seu pior ano desde 1990, produção industrial brasileira mostra que retomou o caminho do crescimento, segundo o IBGE

Ano para ser esquecido pela indústria, 2009 registrou o pior desempenho da produção nacional desde 1990. A desaceleração da economia e o encolhimento do comércio internacional puxaram para baixo quase todos os segmentos fabris, resultando em uma queda de 7,4% no acumulado de janeiro a dezembro. O forte recuo, no entanto, não deverá interromper a recuperação aguardada para 2010. A performance mês a mês e a comparação entre dezembro do ano passado e o mesmo período de 2008 indicam que a retomada é consistente.

Números divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, aos poucos, a indústria se levanta. Nem o saldo de dezembro, que ficou negativo em 0,3%, chega a preocupar. ¿É uma segunda taxa negativa, mas que não altera a trajetória de crescimento. Além disso, esses dois meses de queda (novembro fechou em -0,8%) vieram precedidos de 10 meses de alta¿, explicou André Macedo, economista do IBGE.

Em relação a dezembro de 2008, a produção industrial no último mês do ano passado avançou nada menos do que 18,9%. Ainda que a base de comparação seja deprimida, analistas de mercado enxergam nesse movimento boas perspectivas para os empresários que mantiveram os investimentos ou demitiram menos mão de obra do que os concorrentes durante a crise econômica mundial. Bernardo Wjuniski, da consultoria Tendências, lembra que o saldo anual e os dois meses de queda apurados pelo IBGE não são tão ruins quanto parecem. ¿A produção tende a crescer. Inclusive nos setores que não vão mais contar com incentivos fiscais. Acredito que eles sejam capazes de caminhar pelas próprias pernas¿, disse.

Os dados finais de 2009 revelam recuos acentuados na área de máquinas e equipamentos(-18,5%), veículos automotores (-12,4%), metalurgia básica (-17,5%) e material eletrônico e equipamentos de comunicações (-25,5%). Os fabricantes de bens de capital e de bens intermediários amargaram perdas significativas. Produtos manufaturados e itens com alto valor agregado também perderam. Houve recuo, por exemplo, na fabricação de aviões e helicópteros.

A produção voltada ao mercado exportador foi quem mais sofreu e ao que tudo indica ainda levará tempo para reconquistar o fôlego. Flávio Castelo Branco, gerente executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), não se surpreende com a recuperação mais lenta manifestada por alguns setores. ¿Ainda temos efeitos importantes da crise¿, justificou. O especialista adverte para a necessidade de governo e setor privado retomarem o debate em torno da agenda da competitividade, que prioriza gastos nas áreas de infraestrutura e mudanças tributárias como forma de impulsionar ou complementar as medidas anticíclicas adotadas pelo governo no auge da turbulência global.

Em nota, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) elogiou a adoção de incentivos oficiais que acabaram por antecipar o consumo e investimento, mas ponderou: ¿O sucesso cobra um preço. Se houve êxito, por exemplo, em antecipar o consumo das famílias e se essa antecipação se deu majoritariamente em bens duráveis, cujo consumo foi incentivado por redução de impostos, isso desequilibrou, em alguma medida, os ciclos de produtos próprios a cada um dos segmentos de bens duráveis. Em outras palavras, antecipar o consumo de geladeiras em 2009 ¿ para dar um exemplo ¿ poderá deprimir o crescimento do consumo desse bem em algum momento no futuro, provavelmente no ano seguinte, ou seja, em 2010¿, completou o comunicado.

É uma segunda taxa negativa, mas que não altera a trajetória de crescimento. Além disso, esses dois meses de queda vieram precedidos de 10 meses de alta¿

André Macedo, economista, do IBGE

A produção tende a crescer. Inclusive nos setores que não vão mais contar com incentivos fiscais¿

Bernardo Wjuniski, economista, da Consultoria Tendências

Proposta de pacto

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, propôs, segundo a Agência Brasil, um pacto entre o governo e a classe empresarial como forma de evitar ¿perturbação¿ na economia neste ano eleitoral. Do lado do governo, prometeu que o compromisso com a estabilidade fiscal e monetária será mantido. ¿E os senhores (empresários) devem manter o desempenho normal mesmo em ano eleitoral. É importante que o empresário não se deixe levar pelo canto da sereia.¿

Mantega ressaltou que não há qualquer risco ou ameaça às projeções de crescimento da economia. ¿Estamos entrando em um ano eleitoral, e eu acredito que ele não vai interferir nos rumos da economia.¿ O ministro disse que o governo não tem intenção de tomar medidas ¿populistas¿ visando à disputa presidencial.

Sem mudança ¿Não vai haver nenhuma alteração na nossa conduta por ser um ano eleitoral, e isso significa manter a responsabilidade fiscal e a inflação sob controle, manter a economia crescendo de forma sólida e equilibrada, sem nenhum populismo ou coisa parecida¿, reforçou. Ele fez um alerta a empresários, em São Paulo.

Sobre a necessidade de elevação da taxa básica de juros (Selic) como forma de controle inflacionário, o ministro defendeu cautela e ponderação. ¿É preciso que a inflação dê sinais concretos para que se subam os juros. Caso contrário, não será necessário.¿ Quanto à queda de 7,9% na produção industrial, o ministro disse que o resultado não deve servir de empecilho para que se continue apostando no crescimento econômico.

Análise da notícia Cumprir a obrigação

Sandro Silveira

A proposta feita pelo ministro da Fazenda tem pouco ou nenhum significado. O que Guido Mantega propõe fazer, recebendo uma contrapartida dos empresários, não é nada mais do que a obrigação da área econômica do governo. É para isso que ele ocupa o cargo. Manter o equilíbrio fiscal? Ser responsável monetariamente? São conceitos cristalizados na sociedade. O governo Lula desmoronaria se não agisse dessa forma. Lembro-me dos tempos em que o ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan, precisava ficar repetindo-os diariamente para os brasileiros por meio da imprensa, até que todos (ainda há exceções) percebessem que cumprir essa obrigação era o caminho correto para debelar a inflação e criar um ambiente desenvolvimentista. Por outro lado, não cabe aos empresários fazer qualquer pacto. Eles são obrigados, ainda mais quando a empresa tem acionistas, a administrar conforme a realidade econômica se apresenta.

Tropeço no varejo com combustível caro

Victor Martins

Após uma sequência de 13 altas consecutivas mensais nas vendas, o varejo apresentou variação negativa em janeiro. O mês registrou queda de 0,8% na comparação com dezembro. O recuo foi influenciado por uma diminuição na atividade do segmento de combustíveis e lubrificantes ¿ em 12 meses, devido à forte alta no preço do etanol em 2009, houve uma queda de 4% no consumo de gasolina e de álcool. Com o desempenho, este foi o único setor que começou o ano no vermelho, de acordo com o Indicador Serasa Experian de Atividade do Comércio.

A despeito da quebra na trajetória mensal de alta do varejo, na comparação entre janeiro de 2009 e o de 2010, o desempenho do comércio registrou alta de 10,2%. ¿Por isso, esse recuo mensal de 0,8% não é preocupante. Ele ainda não define tendência, mesmo lembrando que, em janeiro de 2009, estávamos em plena crise e que, portanto, a base de análise é baixa. A comparação com janeiro do ano passado trouxe um excelente resultado¿, ressaltou o assessor econômico da Serasa, Carlos Henrique de Almeida.

O desempenho positivo mencionado por Almeida foi puxado pelos segmentos de supermercados, veículos e material de construção ¿ que obteve o melhor desempenho mensal, alta de 4,9%, uma influência ainda da entrada do 13º salário na economia em novembro e dezembro. ¿Ainda é cedo para dizer que o material de construção está recuperado da crise. Não dá para garantir que vai manter esse desempenho positivo no decorrer do ano. Mas já sabemos que a grande vedete deste ano será o crédito imobiliário, o que pode acabar alavancando esse segmento¿, explicou o Almeida. O grupo veículos, mesmo com o desmonte gradual de incentivos tributários, apresentou bom desempenho em janeiro em relação a dezembro, alta de 1,8%, e de 20,8%, na comparação com janeiro de 2009.