Título: As surpresas das eleições são o recado do eleitor
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Fonte: Valor Econômico, 07/10/2008, Opinião, p. A18

Toda eleição traz em si um traço de continuidade, outro de mudança. Se fosse só continuidade, a oposição, que por definição é minoritária, ou não seria oposição, estaria fadada à extinção; se fosse só de mudança, não permitiria a consolidação de relações orgânicas entre candidatos e partidos e os estratos da sociedade que pretendem representar.

As eleições de domingo definiram um país sob administração local de partidos que fazem parte da coalizão que sustenta o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um amplo arco de alianças que abriga legendas da direita à esquerda do espectro político; em outra leitura, foram um referendo às atuais administrações, elegendo em primeiro turno ou levando ao segundo os 20 prefeitos que disputaram a reeleição. Mas o pleito proporcionou surpresas em número suficiente para desafiar as generalizações e o senso comum, que vieram dos maiores colégios eleitorais do país: São Paulo (SP), Rio (RJ), Belo Horizonte (MG) e Salvador (BA).

Embora cada uma dessas capitais tenha situações políticas muito distintas, é possível identificar recados comuns de seus eleitores: não existem donos de votos e o favoritismo de chefes políticos ou de partidos não define, por si só, uma vitória arrasadora de um candidato.

A capital que deu o recado mais claro aos seus líderes - pois eles fizeram a aposta mais arriscada no poder de transferência de suas popularidades - foi Belo Horizonte. O prefeito Fernando Pimentel (PT) e o governador Aécio Neves (PSDB) não só resolveram unir partidos que se opõem nacionalmente, como mostrar que tinham força suficiente para eleger uma pessoa desconhecida e sem experiência eleitoral, o empresário Márcio Lacerda (PSB). No linguajar dos políticos antigos, ambos acharam que poderiam eleger "um poste". Tratou-se todos os outros candidatos como coadjuvantes de uma festa que teria Lacerda como único protagonista. Leonardo Quintão (PMDB), vereador mais votado de Belo Horizonte em 2004 e o deputado federal mais votado em 2006, não apenas tirou de Lacerda uma eleição em primeiro turno, como pode ser considerado como favorito nesse início da campanha para o segundo turno.

Em São Paulo, embora o prefeito Geraldo Kassab (DEM) possa se enquadrar na regra geral da tendência governista dessas eleições, já que os eleitores paulistanos, assim como os de outros Estados, colocaram os atuais governantes à frente da disputa, ele despontou em primeiro lugar na votação em primeiro turno como um azarão. Kassab é prefeito, teve uma aprovação velada do governador José Serra à sua candidatura, sua recandidatura faz parte de um acordo entre as oposições que resultará no apoio a Serra na disputa pela Presidência em 2010. Ainda assim, foi um corpo estranho na política, que nas últimas eleições consagrou São Paulo como território tucano, em eleições onde o PSDB sempre foi o depositário do voto antipetista. O DEM de Kassab não tem tradição política no Estado; o prefeito não tem carisma e jamais disputou uma eleição majoritária. Tornou-se prefeito porque era vice de Serra. O eleitor, todavia, negou-se a referendar uma decisão do PSDB, de lançar Geraldo Alckmin, e derrubou o senso comum de que na capital, e no Estado, o segundo turno é sempre entre um tucano, que assume os votos antipetistas, e o PT. Por ter quebrado essa polaridade, Kassab inicia a campanha para o segundo turno como favorito.

No Rio, o eleitor colocou não apenas uma pá de cal em 16 anos da era César Maia (DEM), jogando a sua candidata Solange Amaral para o sexto lugar em número de votos, como questionou o poder do voto evangélico, que, na mitologia pós-governos de Anthony Garotinho e de sua mulher, eram tidos como definidores de pleitos. O bispo da Igreja Universal Marcelo Crivella (PRB), que começou a campanha como favorito, acabou perdendo a vaga no segundo turno para Fernando Gabeira (PV).

O resultado das eleições de primeiro turno em Salvador teve alto valor simbólico. Nas primeiras eleições sem a presença do senador Antonio Carlos Magalhães (DEM), que faleceu em julho do ano passado, o eleitor da capital quebrou a tradicional polaridade entre carlistas e anticarlistas e excluiu do pleito Antônio Carlos Magalhães Neto, que chegou em terceiro lugar. O segundo turno acontecerá entre o atual prefeito, João Henrique (PMDB), e o candidato petista Walter Pinheiro. Salvador libertou-se da condição de capitania hereditária.