Título: Light passa pelo período mais difícil desde 1996
Autor: Cláudia Schüffner e Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 23/02/2005, Empresas &, p. B7

À espera de uma autorização do Ministério da Fazenda para fazer valer o novo reajuste tarifário concedido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) no início de fevereiro - que corrigiu o percentual de 5,02% concedido em novembro com mais 6,13% - a Light, controlada pela estatal francesa Electricité de France (EDF), vive seu momento mais decisivo desde a sua privatização, em 1996. De um lado, enfrenta dificuldades operacionais que foram agravadas pelo aumento insuficiente da tarifa e que levou a empresa a pôr em "stand by" um acordo firmado com 17 bancos credores privados para reestruturar sua dívida, que alcança US$ 1,5 bilhão. Desse valor, US$ 660 milhões são com instituições financeiras. Ao mesmo tempo, a EDF prepara uma oferta pública de ações, que vem acirrando o ânimo dos franceses mais nacionalistas, e já avisou que não fará mais nenhum aporte no Brasil. Para engrossar a lista de dissabores, o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro ameaça entrar com ação civil pública para impugnar judicialmente o novo reajuste, caso seja autorizado pelo Ministério da Fazenda. Nesse cenário, não faltam boatos sobre a possibilidade de a concessão ser devolvida ao governo brasileiro, fato que desperta a cobiça de eventuais interessados em comprar a Light. O presidente da Light, o francês Jean-Pierre Bel, não admite sequer considerar a possibilidade de a EDF deixar o país. Ele também nega que esse tipo de ameaça foi feita ao governo brasileiro, apesar de afirmar em tom preocupado que "a questão da tarifa é crucial". Ele responde a quem lhe pergunta sobre a possibilidade de a EDF deixar a Light com outra pergunta. "Você acha que alguém disposto a fazer uma capitalização de US$ 400 milhões está querendo deixar o país?". Bel afirma que 2004 foi "um ano horroroso" para a Light. O primeiro mau sinal, lembra ele, foi o aumento de R$ 100 milhões nos gastos com impostos depois do aumento da alíquota do PIS/Cofins, associados à inadimplência crônica de empresas públicas, como a Cedae e a concessionária Supervia, que administra os trens urbanos. O reajuste tarifário de 5,12% da Aneel foi uma ducha de água fria. A empresa entendia ter direito a 17,61% . A ele se sucedeu uma disputa judicial com a CSN e a Valesul, que se recusavam a pagar o novo valor referente à taxa de uso da transmissão (Tusd). O reajuste de novembro foi visto como insuficiente pelos credores e acabou levando à suspensão das negociações que permitiram à Light entrar no Programa de Capitalização das Distribuidoras capitaneado pelo BNDES. A própria Aneel admite que o reajuste de novembro foi insuficiente para que a concessionária opere em equilíbrio econômico-financeiro. O fato foi admitido no voto do diretor da Aneel, Paulo Pedrosa, relator do processo para a revisão da tarifa anunciada dia 2 de fevereiro. "No presente caso, a concessionária não está recebendo em sua tarifa a justa remuneração correspondente à empresa de referência. A diferença representa uma redução anual de receita em torno de R$ 136 milhões, correspondendo a um comprometimento no custo médio ponderado de capital superior a 18% do valor regulatoriamente estabelecido de 11,26%", disse o relator. Ao Valor, o diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, disse estar preocupado com a situação financeira da Light e diz temer que os serviços da empresa, que atua em um dos maiores mercados do país, atinjam um nível precário. Outro reflexo é que a Light já está atrasando pagamentos pela energia comprada de Itaipu, segundo fontes do setor, sem que a empresa negue. "Estou preocupado com a qualidade dos serviços da Light. O que se percebe é que o equilíbrio econômico-financeiro e a confiabilidade começam a diminuir. Como uma parte desses problemas passa pela sub-avaliação da base de remuneração dos ativos da companhia, optamos por corrigir esse desequilíbrio, já que cabe à agência, em primeira instância, defender o próprio consumidor da Light", disse Kelman. A agência elevou, em fevereiro, a base de remuneração dos ativos (soma dos investimentos em bens, entre eles redes e transformadores) da Light de R$ 3,5 bilhões para R$ 4,3 bilhões, o que resultou na complementação de 6,13%, somando reajuste de 11,15% em 2004. Kelman frisa que a Light tem direito a esse reajuste e caso ele não seja aplicado agora, já está garantido em novembro. Se tiver que esperar até lá a tarifa será maior, já que os 6,13% serão corrigidos pela taxa da Selic. O assunto ainda não foi resolvido porque a concessão feita pela Aneel contraria o artigo 70 da Lei do real, que impede mais de um aumento de tarifas em período inferior a 12 meses. Por isso, a Fazenda terá agora que se pronunciar. Já existe um precedente similar: em 2001, a agência reguladora foi autorizada pela Fazenda a novo reajuste em prazo inferior a um ano para a Boavista Energia devido ao aumento de custos com a importação de energia da Venezuela. O analista Pedro Batista, do Banco Pactual, estima que o reajuste anterior (de 5,02%) afetaria em cerca de R$ 300 milhões/ ano o resultado operacional da companhia antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Lajida). Logo após o anúncio do reajuste de novembro, a Light entrou com recurso administrativo pedindo correção da tarifa, o que Aneel, em fevereiro e já sob a direção de Kelman, acatou em parte. O problema crucial da Light é que somente com o reajuste de 11,15% ela terá resultado operacional que permita assinar o acordo firmado com os bancos. Esse, por sua vez, só será sacramentado se a Light aderir ao Programa de Capitalização das Distribuidoras capitaneado pelo BNDES. Mas sem geração de caixa adequada, a Light corre o risco de ser desqualificada pelo banco na análise de risco de crédito. Já o cuidado do banco estatal é relevante, já que as regras do programa prevêem que o BNDES pode fazer uma capitalização de até metade dos US$ 300 milhões de suas debêntures conversíveis em ações da distribuidora. Se converter metade dessas debêntures, o banco ficará com 20% do capital da Light. Como contrapartida, a EDF terá que transformar em capital empréstimo de US$ 400 milhões concedido à controlada. Até agora, a estatal francesa já investiu US$ 3,7 bilhões no Brasil, dos quais US$ 500 milhões na térmica Norte Fluminense e US$ 3,2 bilhões na distribuidora. Na França existem correntes com opiniões contraditórias, onde alguns defendem a saída imediata do Brasil. A direção da companhia já anunciou que está disposta a fazer a capitalização. Para o governo brasileiro, eis uma questão: como fica a imagem do país perante os investidores internacionais. "Não será bom para a imagem do país se a EDF sair daqui depenada, de cuecas, e batendo a porta", resumiu fonte próxima às negociações. A Light montou uma força-tarefa de defensores com o objetivo de chamar a atenção dos ministros de Minas e Energia e da Fazenda sobre as consequências de uma paralisia da empresa, que este ano completa 100 anos.