Título: Commodities compensaram alta do câmbio
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2008, Brasil, p. A3

O dólar subiu 16,4% em setembro, mas o impacto do câmbio sobre a inflação medida pelo Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) foi menor que o da queda das commodities. Depois de cair 0,38% em agosto, o indicador subiu 0,36% no mês passado, influenciado principalmente pela reversão da deflação dos preços no atacado, que passaram de um tombo de 0,8% para uma alta de 0,44%, em grande parte devido ao comportamento do complexo soja (grão, farelo e óleo). Outros produtos refletiram o recuo das commodities, como o milho, e da cadeia petroquímica, que caiu na esteira do recuo do petróleo.

Com a forte alta do dólar nos últimos dias, no entanto, há a possibilidade de o quadro mudar. O grande risco é que o tombo dos produtos primários não seja suficiente para compensar o impacto do real desvalorizado a partir deste mês. Com alta de 8,32% no mês e de 11,9% em 12 meses, o IGP-DI é particularmente sensível aos movimentos do dólar por causa de sua influência sobre os preços no atacado, que têm peso de 60% no indicador.

O coordenador de análises econômicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Salomão Quadros, diz que o efeito do dólar mais caro sobre o indicador de setembro foi pequeno. Segundo ele, há alguns produtos, que representam algo como 5% do Índice de Preços no Atacado (IPA), com preços formados diretamente em dólar.

É o caso do minério de ferro e da celulose, que subiram com força no mês passado. O primeiro subiu 5,02%, com avanço significativo em relação à alta de 0,32% de agosto. A celulose saiu de uma deflação de 0,53% para um aumento de 8,52% em setembro. "Esses são produtos que sofrem o impacto direto do câmbio", diz ele, notando que o fenômeno foi localizado.

"A queda das commodities foi mais importante que a alta do câmbio para o resultado do IGP-DI de setembro", afirma Quadros. Ele chama a atenção para o comportamento de produtos como o trigo - recuo de 13,05% - e do milho - queda de 5,55%. No caso dos produtos industrializados no atacado, um dos destaques foi o tombo da nafta para petroquímica. Depois de cair 2,19% em agosto, o produto teve baixa de 10,78% no mês passado.

"É um reflexo do recuo dos preços do petróleo", diz Quadros, chamando a atenção também para a queda dos produtos do grupo de resinas e elastômeros. O polietileno de baixa densidade, por exemplo, caiu 3,51%, uma forte desaceleração em relação à alta de 12,9% registrada no mês anterior.

O que impediu um comportamento mais benigno dos preços no atacado foi o complexo soja, diz Quadros. O grão subiu 5,02% e o farelo, 5,07%. Apesar de a soja ter caído no mercado externo em setembro, apurando queda de 7,11%, a cotação do produto no Mato Grosso ficou praticamente estável no mercado à vista. No Paraná, o farelo subiu. O período, vale notar, é de entressafra.

O economista Cristiano Souza, do Banco Real, diz que a alta do IGP-DI se deveu basicamente à deflação mais modesta dos preços agropecuários no atacado. Depois de um tombo de 5,09% em agosto, a queda foi de 0,46% em setembro. Ele lembra que o recuo do IPA agropecuário nos últimos dois meses se deu após uma elevação de 7,7% ocorrida entre maio e julho.

Se em setembro a alta do dólar não teve impacto inflacionário relevante, em outubro a história pode ser diferente. Do começo do mês passado até ontem, a moeda americana subiu 41,3%. No mesmo período, o índice CRB da Reuters/Jefferies de 19 commodities (agrícolas e metálicas, além do petróleo) caiu 21,4%. "É necessário ver em que patamar o dólar vai se estabilizar, mas é possível que, no curto prazo, a alta do dólar prevaleça sobre a queda das commodities", diz a economista Thaís Marzola Zara, da Rosenberg & Associados.

Para Quadros, o câmbio deverá ter um impacto maior sobre a inflação do que em setembro. No entanto, a magnitude desse efeito é uma incógnita, já que não se sabe em que nível o dólar vai se acomodar. Ele avalia que os fundamentos da economia brasileira não justificam um câmbio na casa de R$ 2,30.

No atual quadro de incerteza, há divergências quanto aos rumos da política monetária. Quadros acha que o Banco Central (BC) deve continuar aumentando os juros, mas reduzindo o ritmo de alta de 0,75 ponto percentual para 0,25 ou 0,5 ponto. Se a queda de commodities e os sinais de desaceleração da economia ajudam a formar um quadro inflacionário mais benigno, o dólar em alta é um fator de pressão sobre os preços, avalia ele. Thaís entende que é o momento de parar com o ciclo de alta da Selic, iniciado em abril. O ideal seria ser mais cauteloso, num momento de incerteza causada pela crise externa, com impacto expressivo sobre o mercado de crédito.

Com peso de 30% no IGP-DI, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) mostrou um comportamento bastante positivo, com deflação de 0,09%. Mais uma vez, o grupo alimentação foi o principal responsável pelo resultado: teve baixa de 0,97%, mais forte que o 0,71% de agosto. Uma notícia positiva foi o comportamento do núcleo do IPC calculado por médias aparadas com suavização (em que se excluem as 20% maiores altas e baixas, diluindo-se os reajustes de preços administrados ao longo de 12 meses). O indicador teve alta de 0,22%, abaixo do 0,3% anterior.

O Índice Nacional do Custo da Construção (INCC), com peso de 10% no IGP-DI, também teve desaceleração. Saiu de uma alta de 1,18% em agosto para aumento de 0,95% em setembro. O grupo materiais e serviços teve avanço mais modesto, de 1,53% - no mês anterior, havia subido 2,13%.