Título: Investimento em alta depende do aumento da poupança interna
Autor: Bouças, Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2008, Brasil, p. A4

Entre 2003 e 2007, o principal motor de expansão do investimento bruto no país foi a poupança interna. Em 2008, no entanto, a poupança externa (que é a conta-corrente com sinal invertido) voltou a contribuir de forma positiva para a expansão do investimento produtivo, enquanto a contribuição da poupança interna manteve-se praticamente estável. Conforme cálculo da Convenção Corretora, em quatro trimestres até junho, o investimento bruto atingiu 19,12% do Produto Interno Bruto (PIB), sendo que a poupança interna teve contribuição de 17,56 pontos percentuais e a poupança externa, de 1,45 ponto. Nos 12 meses anteriores (até junho de 2007), a taxa de investimento como proporção do PIB alcançou 17,38%, com poupança externa negativa de 0,85 ponto percentual. Fabiano Cerchiari/Valor Fernando Montero, da Corretora Convenção: "manter o nível de poupança em relação ao PIB será mais difícil"

Nos primeiros anos do Plano Real, o país acumulou déficit em conta corrente com queda da taxa de investimento. Em 1994, o país investiu o equivalente a 20,75% do seu PIB e mantinha uma situação de equilíbrio na conta corrente. A taxa de investimento recuou até 15,66% em 1999, período em que o déficit em conta corrente (a poupança externa) foi a 4,32% do PIB.

Mesmo sofrendo os reflexos da crise financeira externa, a economia brasileira pode ter seu nível de investimento elevado nos próximos anos, alcançando 21% do PIB em 2010, como pretendido pelo governo federal, avaliam os economistas. O ritmo anual dos investimentos vai desacelerar, mas ele ainda será superior à alta do PIB, permitindo esse aumento da taxa. A LCA Consultores projeta para 2009 expansão do investimento de 7,7% (medida pela Formação Bruta de Capital Fixo), ante 14,1% neste ano, passando a equivaler a 19,7% do PIB no próximo ano, acima dos 18,7% projetados para 2008. Para a LCA, o PIB encerra 2008 em 5,1%, ritmo que recua a 3,7% em 2009.

Para que parte desse cenário se confirme, alertam os economistas, é preciso que haja ajustes no consumo do setor privado e nos gastos do governo, liberando renda para o investimento. "Podemos contar com mais poupança externa, mesmo que seja financiada, no limite, com menos reservas. Teremos mais déficit em conta corrente, é difícil escapar disso. O problema é que essa maior poupança externa não nos ajuda muito se vem para cobrir perdas com termos de troca", avalia Fernando Montero, economista-chefe da Convenção.

O déficit em conta corrente, diz, tende a crescer nos próximos meses porque enquanto as exportações se desaceleram acompanhando a retração externa, as importações ainda crescem já que o mercado interno tende a se manter mais demandante que a média global. A perspectiva de que os preços das commodities levarão tempo para voltar a subir no mercado externo também contribui para reduzir o saldo da balança, afetando a poupança interna e a externa. Um terceiro reflexo da crise externa sobre a economia brasileira é a desvalorização do real frente ao dólar, que torna as importações menos competitivas - e uma parcela das máquinas adquiridas pelas indústrias para elevar sua capacidade produtiva tem sido importada.

Para Bráulio Borges, economista-chefe da LCA, o investimento bruto terá que desacelerar no próximo ano, para garantir mais equilíbrio à economia. "É o investimento que gerou o maior crescimento das importações. Ele terá que desacelerar, mas ainda assim deverá crescer nos próximos anos."

Borges, no entanto, avalia que o cenário de retração da economia global colaborará para a redução do déficit em transações correntes no Brasil porque as importações historicamente desaceleram mais rapidamente que as exportações em períodos de desaquecimento econômico. "Com o mundo crescendo menos e os juros mais altos, as importações crescem menos que as exportações, o déficit em transações correntes diminui e se obtém mais poupança interna", afirma. Para ele, o setor externo deve dar contribuição negativa ao PIB de 1,1 ponto percentual, ante 2,4 pontos em 2008.

Para Montero, contudo, há risco de aumento no déficit externo, entre outras razões, pelo incremento das transferências e rendas líquidas, puxadas por maiores remessas de lucros e dividendos, que devem se situar em patamar mais elevado em relação ao PIB. Esses fatores contribuem para que a renda (de onde se origina a poupança) cresça menos que o PIB. "Traduzindo, a obtenção do mesmo nível de poupança em relação ao PIB será mais difícil", afirma. Na sua avaliação, a manutenção do nível de investimentos em 2009 dependerá de ajustes no consumo do setor privado e nos gastos do governo, mas essa tarefa será mais árdua, dada a perda nos termos de troca.

Júlio Gomes de Almeida, consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e professor da Unicamp, acredita que a saída para a manutenção do investimento bruto acima de 18% do PIB depende de expansão da poupança interna, com a realização de ajustes no setor privado e no setor público. "Todos os países desenvolvidos financiaram o seu crescimento com poupança interna. Hoje está claro que abusamos do financiamento externo e é preciso elevar a poupança interna e ampliar as fontes de financiamento do investimento", afirma.

Almeida observa que um terço dos investimentos realizados no Brasil são financiados pelos bancos de desenvolvimento, como o BNDES. Outro terço é financiado pelo mercado de capitais e uma terceira parte, a partir da aplicação dos lucros das empresas. O agravamento da crise externa reduz a possibilidade de financiamento em pelo menos dois desses "agentes" (mercado de capitais e lucro).

Uma das mudanças sugeridas é a alavancagem do mercado de capitais brasileiro, com o oferecimento de incentivos fiscais aos planos de previdência privada, por exemplo. Outra proposta é a criação e regulamentação do fundo de previdência do setor público, além de direcionar esses recursos para emissão de debêntures ou de títulos para angariar recursos destinados aos bancos de fomento. Almeida também sugere o reordenamento dos gastos do governo, com elevação ou manutenção no nível de investimentos e redução dos gastos de custeio. "Temos que encontrar fórmulas para ampliar os recursos para esses bancos", diz. Ele defende ainda que o governo reduza gastos correntes e aproveite a expansão da arrecadação para aumentar a poupança e investi-la em obras de infra-estrutura.

Para Fernando Puga, chefe da área de análise econômica do BNDES, o cenário para investimentos no Brasil pode não mudar tanto no próximo ano, principalmente porque a maior parte dos aportes já aprovados estão em áreas que ainda encontram-se em situação favorável, inclusive no mercado externo. "Dos investimentos aprovados pelo banco, grande parte vem das áreas de siderurgia, mineração, indústria naval, energia, telecomunicações saneamento e petróleo, sem contar o pré-sal. E são projetos de longo prazo voltados para mercados que seguem com boas perspectivas no mercado externo", afirma.

Ele observa, também, que os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) também serão mantidos pelo governo federal. "Com o agravamento da crise, há perspectiva que os projetos ainda não anunciados pelas empresas possam sofrer adiamento, mas isso não vale para os projetos estão em curso."

O BNDES mantém a projeção de uma taxa de investimento de 21% do PIB em 2010. Para 2009, diz Puga, o banco terá pelo menos R$ 90 bilhões em recursos para financiamento. O incremento de R$ 5 bilhões sobre 2008 viria da entrada de novos recursos do FAT (por volta de R$ 8 bilhões para 2009), retornos dos empréstimos que o banco fez no passado e captação junto ao Tesouro via FGTS.

Em linha com Puga, o economista e professor da Escola de Economia de São Paulo (EESP) da FGV Paulo Gala, também aposta em um crescimento mais tímido dos investimentos, mas em função da área de construção civil, que tem tido um papel fundamental na aceleração dos investimentos brasileiros e que é extremamente dependente da oferta de crédito e das condições de juros. "Para as construtoras o financiamento fica mais caro e esse peso já é sentido, tanto que os negócios no setor pararam nas últimas semanas", afirma Gala.

Já os investimentos em máquinas e equipamentos - outro componente da formação bruta de capital fixo - dependem das perspectivas das indústrias em relação ao longo prazo e do câmbio, já que uma parcela significativa dos maquinários adquiridos são importados. "A importação vai ficar mais cara, o que pode ter algum efeito sobre o nível de investimentos", afirma Gala.