Título: Boas medidas para conter os efeitos da crise externa
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2008, Opinião, p. A16

A economia brasileira mostra uma robustez ainda invejável diante da maior crise financeira global desde 1929. Só tolos afirmariam que o Brasil não será afetado, assim como apenas investidores em pânico, especuladores ou analistas desorientados poderiam afirmar que o país já está à deriva diante da quebradeira generalizada do sistema financeiro nos países desenvolvidos. Há uma ânsia desmesurada por medidas e ativismo do governo que não se justifica - ainda. Há problemas pontuais, que estão sendo resolvidos à medida que aparecem, e outros que precisarão de ações mais fortes, como é o caso da disparada cambial. O potencial destrutivo da crise é enorme, mas seu epicentro não está nos países emergentes.

Um ano após a derrocada dos empréstimos subprime, o mercado brasileiro começa a sentir problemas de liquidez. Ela começou pela escassez de linhas externas de financiamento a exportações e já tinha dado sinais de vida com o encarecimento das captações externas e maior seletividade dos empréstimos externos. Ainda assim, pelo menos até agosto, isto não havia se manifestado de forma clara e a rolagem de dívidas privadas com credores externos acontecia sem grandes problemas. Esta época ficou para trás, embora, surpreendentemente, os investimentos externos continuassem, até agosto, compensando as remessas crescentes de divisas para fora do Brasil.

Ficou claro que o primeiro canal de contágio é, obviamente, o financeiro. O pânico dos mercados, entretanto, está exacerbando problemas facilmente manejáveis. Os grandes bancos cessaram o repasse de recursos às instituições pequenas e médias, diante do encarecimento geral das linhas de crédito e das captações dos próprios bancos. Isto até certo ponto era previsível, e não apenas pelo fato de que os juros continuaram em alta no país. Por outro lado, a falta de recursos externos ampliou a demanda interna, ao mesmo tempo em que outras fontes de capitalização para empresas, como as ofertas inicias de ações, desapareceram do horizonte.

O fechamento dos cofres dos grandes bancos, que preferem deixar bilhões de dólares com as autoridades monetárias, deve-se, aparentemente, a uma cautela excessiva e injustificável. Não há bancos expostos à bagunça dos subprime, e a inadimplência de empresas e consumidores não deu sinais de agravamento relevante nos últimos meses. A economia não está ameaçada de uma parada abrupta. Isto não deve continuar assim no futuro, mas o empoçamento de liquidez atual pode acabar criando uma crise onde ela não existiria.

O governo até agora tem feito o necessário para atacar os problemas no curto prazo. O Banco Central mexeu nos recolhimentos compulsórios para tentar aliviar o empoçamento da liquidez e o governo criou mais duas novas linhas de redesconto de prazo e condições mais flexíveis, que terão como colateral a carteira de crédito dos bancos. Determinou também que as reservas internacionais sejam usadas para suprir o encolhimento das linhas externas aos exportadores. BC e Ministério da Fazenda - o que não é freqüente - trabalham em conjunto e falam uma só voz, sepultando desavenças, pelo menos em público. O presidente Lula reuniu partidos políticos para tentar acertar a votação de uma parte da agenda de reformas ainda este ano, entre elas a reforma tributária.

Resta enfrentar a instabilidade cambial e calibrar a política monetária. Desde agosto, o real teve maxidesvalorização de 29%. É compreensível que diante da debandada de capitais especulativos e fuga das bolsas, a valorização do dólar sirva como punição natural e um inibidor de primeira instância das revoadas de capital. Variações dessa magnitude já nublam o horizonte dos negócios e, se perdurarem, começarão a fazer alguns estragos nos índices de preços.

A política monetária precisará ser recalibrada, porque há uma contradição em prover liquidez a vários setores da economia e manter uma escalada dos juros. A corrida do dólar pode representar um risco inflacionário, mas o balanço dos riscos pende hoje inteiramente para o lado da atividade econômica. Há boas razões para o BC interromper o ciclo de aperto monetário.