Título: Apesar de apoio oficial, Rodada Doha não empolga o país
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2008, Especial, p. A18

Acusado de ser um dos responsáveis pelo fiasco das negociações de liberalização comercial na Organização Mundial de Comércio (OMC), a chamada Rodada Doha, o governo indiano se recusa até a admitir que tenham fracassado definitivamente as tentativas de acordo. E garante seu empenho e apoio ao esforço do governo brasileiro para tentar, até 31 de dezembro, um consenso entre os principais negociadores sobre as fórmulas que deverão orientar os cortes nas barreiras ao comércio de mercadorias industriais e agrícolas.

"Não podemos nos deixar levar por emoções. Brasil e Índia têm de trabalhar juntos para encontrar uma solução para a rodada Doha", diz um dos principais negociadores indianos, o secretário especial do Ministério do Comércio da Índia, Rahul Khullar.

Ele se preocupa, ainda, em desfazer a impressão - geral em Genebra e veiculada até na imprensa indiana - de que foi sério o desentendimento entre os governos brasileiro e indiano na última tentativa fracassada de um acordo, em Genebra, quando o Brasil chegou a se mostrar disposto a aceitar as propostas endossadas pela União Européia e pelos Estados Unidos. "Brasil e Índia estão jogando juntos, seja em Genebra, seja nas negociações bilaterais", garante. "O G-20 está vivo e bem", diz, em referência ao grupo formado pelos países em desenvolvimento em contraponto às propostas dos EUA e da Europa para agricultura.

Khullar diz que negociações técnicas em Genebra tiveram grande avanço e que é pequena a diferença a ser resolvida, o que pode ser alcançado caso haja engajamento de todos os parceiros. Ele reconhece que a tarefa é dificultada pela transição de governo nos Estados Unidos, e pela recente substituição do chefe dos negociadores europeus, Peter Mandelson, pela relativamente inexperiente Catherine Ashton.

O negociador indiano argumenta que a proximidade de uma troca de governo nos EUA ainda pode servir de motivação a mais para os negociadores buscarem um compromisso do governo americano, que facilite a continuidade das negociações a partir do próximo ano. "Se for fechado um acordo, ficará mais difícil de reabri-lo na próxima administração", diz ele, especulando sobre uma possível vitória do candidato democrata, Barack Obama.

O tom otimista das declarações do secretário especial de Comércio não é compartilhado por observadores independentes. Para o embaixador Santosh Kumar, diretor de projeto do ICRIER, um dos principais think tanks indianos em relações internacionais, os custos da Rodada Doha para a Índia, com o aumento da concorrência sobre os 300 milhões de pobres agricultores indianos, até agora, são maiores que os ganhos dos setores mais competitivos com a liberalização do comércio. "A situação do Brasil é diferente da nossa", exemplifica.

Para Ashok Bhattasharya, editor-gerente do "Business Standard", segundo maior jornal de negócios da Índia, é real o alívio na sociedade indiana com o fracasso da Rodada Doha. Não há nenhum entusiasmo com as negociações da OMC no país, diz.

O jornalista Sergio Leo viaja a convite da Embaixada da Índia em Brasília