Título: Inflação volta a preocupar
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 02/02/2010, Economia, p. 11

IPCA anualizado aponta índice entre 6,5% e 9%: são números muito altos para não provocarem dor de cabeça em um governo sério

O reajuste das tarifas de transporte público em grandes centros urbanos pesa no cálculo do IPCA

O mercado financeiro acendeu o sinal de alerta em relação à inflação. Ainda que a grande maioria dos analistas não veja o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) se distanciando muito do centro da meta de 4,5% perseguidos pelo Banco Central, está se formando o consenso de que a taxa final deste ano ficará mais próxima de 5%. Há pouco mais de um mês, o quadro era o oposto: o grosso dos especialistas via o índice oscilando entre 4,2% e 4,3%, ou seja, abaixo do objetivo fixado pelo governo.

A mudança nas projeções ocorreu depois de os economistas recalcularem as estimativas para o IPCA de janeiro, que será divulgado na próxima sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A taxa esperada praticamente dobrou, atingindo até 0,71%, índice que, quando anualizado, aponta para inflação de quase 9% ¿ o dobro da meta oficial. E mais: com o resultado de janeiro, o IPCA acumulado em 12 meses ficará acima de 4,5%, fato que não se via desde junho de 2009, quando cravou 4,80%.

¿Não podemos esquecer que, no mês passado, o IPCA foi afetado por fatores pontuais, como o aumento de 17,4% das passagens dos ônibus urbanos em São Paulo. Sozinho, esse item impactou a inflação em 0,14 ponto percentual (outro 0,03 ponto será captado em fevereiro, que também refletirá a alta das mensalidades escolares)¿, disse o economista-chefe da Concórdia Corretora, Élson Teles. ¿Há, também, o efeito da alta do álcool, que repercutiu na gasolina, e dos produtos de safra curta, como as frutas e hortaliças, afetados pelo excesso de chuvas¿, acrescentou.

O problema, assinalou o economista-chefe do Banco Schahin, Sílvio Campos Neto, é que os reajustes pontuais estão vindo acompanhados de aumentos em grupos de preços mais dependentes do aumento da renda e do aquecimento da economia. Por isso, o mercado acompanhará com lupa os núcleos da inflação, medidas que descontam altas atípicas de preços e de algumas tarifas públicas. ¿Essa é a inflação mais limpa, que dá um quadro mais claro do que realmente está acontecendo. Veremos se os reajustes pontuais tenderão a se esgotar até o início de março ou vão persistir¿, frisou.

Alta dos juros Os núcleos da inflação estão em alta desde dezembro passado. Na média, saltaram de 0,38% para 0,45% e devem ter atingido, no mês passado, 0,53%, o que, nos cálculos do economista-chefe do Banco BES Investimento, Jankiel Santos, dará uma taxa anualizada de 6,5%, o teto da meta oficial (que pode variar dois pontos para cima ou para baixo). É por isso que as expectativas de inflação vêm subindo há duas semanas seguidas, atingindo 4,62%, segundo a pesquisa Focus divulgada pelo Banco Central.

¿Também é por isso que o BC está se mostrando cada vez mais propenso a antecipar o processo de aumento da taxa básica de juros (Selic)¿, destacou Campos Neto. ¿O importantíssimo para o BC é que as expectativas não saiam do controle. Se isso acontecer, começará um processo indesejado de remarcação de preços¿, complementou Élson Teles. Os dois economistas, inclusive, admitem a possibilidade de o Comitê de Política Monetária (Copom) começar a subir a Selic em março em vez de abril, para onde aponta o consenso do mercado.

A aposta dentro do governo, principalmente do ministro da Fazenda, Guido Mantega, é de que o mercado desligue o sinal amarelo com a promessa de se cumprir a meta de superavit primário (economia para o pagamento de juros da dívida) de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) e com o fim dos estímulos fiscais (redução de impostos) dados no auge da crise mundial. No entender de Mantega, tais medidas tendem a tirar um pouco da pressão sobre o crescimento econômico, que estaria jogando a inflação para cima. No BC, porém, o clima é de preocupação. Já admite-se, por sinal, que o IPCA do primeiro trimestre ficará acima do 1,5% previsto no último relatório de inflação. Essa taxa já considerava todos os reajustes pontuais ¿ inclusive o reajuste das mensalidades escolares. Com isso, a previsão oficial de inflação para o ano, de 4,6%, pode estar ultrapassada.

O importantíssimo para o BC é que as expectativas não saiam do controle. Se isso acontecer, começará um processo indesejado de remarcação de preços¿

Élson Teles, economista-chefe da Concórdia Corretora

Começo perigoso

Victor Martins

A inflação, que deu uma leve trégua em 2009, assustou o consumidor em janeiro. O Índice de Preços ao Consumidor - Semanal (IPC-S), medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), apresentou variação de 1,29% ¿ maior resultado desde fevereiro de 2003, quando atingiu 1,55%. Reajustes em tarifas de ônibus em São Paulo e aumentos em cursos escolares figuram como os algozes do mês e são responsáveis por mais da metade da inflação.

A chuva também colaborou para deixar o custo de vida mais alto. Os alimentos in natura aparecem em terceiro lugar no ranking de vilões, pois as hortaliças ficaram 0,12% mais caras e as frutas, 0,11%. ¿Se juntarmos todos esses itens anteriores ao grupo combustíveis, no qual entra o álcool, também prejudicado pela chuva (subiu 0,10%), explicamos quase que toda a inflação¿, disse o coordenador do Índice de Preços ao Consumidor, o economista Paulo Picchetti.

Ainda de acordo com Picchetti, a alta de mensalidades de cursos formais se tornou tradicional em todo começo de ano. Somente a chuva e o aumento no custo do transporte não eram esperados. ¿Por isso que eu acredito que essa alta é sazonal. É preciso ter cuidado com as projeções de inflação. A tendência é sem dúvida de em fevereiro haver uma desaceleração¿, emendou.