Título: Alavancagem de empresas puxa dólar a R$ 2,311
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2008, Finanças, p. C1

As operações de alto risco no mercado de derivativos realizadas por empresas acabam por contribuir para enxugar ainda mais a liquidez no mercado interno, sangrando o caixa não apenas de companhias, mas também de bancos que atuaram como contraparte nos contratos e que têm de pagar ajuste diário na BM&FBovespa toda a vez que o dólar sobe. Ontem, o dólar foi a R$ 2,3110, uma alta de 5,14%, acumulando uma puxada de 48% desde seu nível mínimo, no dia 1º de agosto último.

O Valor teve acesso a ofertas feitas pelos bancos a empresas exportadoras para a realização de um hedge (proteção) contra a queda no dólar "ultra turbinado", à semelhança da transação feita pela Aracruz e que levou a perdas potenciais de R$ 1,95 bilhão. É o chamado "Target Forward", exemplificado no fac símile ao lado.

Nessa transação, a empresa aposta duas que o real vai se valorizar. Fica vendida em dólar futuro duas vezes. Primeiro, ela vende o dólar para o banco por meio de um instrumento chamado de "forward", ou no exterior "non-deliverable forward" (NDF). É a tradicional venda de dólar a termo, por meio da qual a empresa vende dólar em um dia no futuro a um cotação prefixada.

Essa transação, em si, pode não representar exposição a risco cambial, mas apenas se for casada com uma receita em dólar que a empresa tiver a receber. Por exemplo, a empresa vende ao banco no dia 10 de julho US$ 10 milhões para a data futura do dia 30 de agosto a R$ 1,6040. Se o dólar cair abaixo dos R$ 1,6040 no dia 30 de agosto, a empresa terá protegido sua receita contra a desvalorização. Ela vai receber R$ 16,04 milhões e não R$ 14 milhões, por exemplo, pelos mesmos US$ 10 bilhões. É o chamado hedge dos ativos. Caso o dólar suba acima disso, chegue a R$ 2, não há problemas: a empresa deixa de ganhar, mas não perde, pois recebeu todo os US$ 10 milhões que serão pagos ao banco. Não terá de comprar no mercado a R$ 2, pois já recebeu em dólar.

No "target forward" feito pela Aracruz e provavelmente também pela Sadia, no entanto, a empresa realiza também outra transação acoplada: vende de novo o dólar para o banco no futuro e por meio de arriscada venda de opção de compra. Nesse instrumento, o banco paga um valor à empresa para ter o direito de comprar o dólar a uma cotação pré-estabelecida no futuro.

Por exemplo, o banco passa a ter o direito de comprar US$ 10 milhões a R$ 1,73 no dia 30 de agosto de 2008. Se nesse dia o dólar terminar a R$ 1,62, o banco não terá interesse em exercer seu direito de compra - não comprará a R$ 1,73, pois poderia comprar no mercado à vista à cotação de R$ 1,62. A opção viraria pó. Mas, se o dólar fosse a R$ 2, a empresa teria de comprar dólar no mercado a R$ 2 para vender à cotação de R$ 1,73 para o banco -perderia 13,5% dos US$ 10 milhões, ou R$ 2,7 milhões.

Se sabiam que estavam expostas a um risco cambial gigante, por qual razão as empresas vendiam as arriscadas opções de compra aos bancos acopladas com o dólar a termo? Primeiro, não acreditavam que o dólar fosse subir tanto no curto prazo de forma a ultrapassar a cotação "target" (alvo), no nosso caso os R$ 1,73. Depois, porque no "target forward" a empresa não apenas se protegia, mas também conseguia ganhos. No nosso exemplo, os ganhos eram de no máximo R$ 5 milhões.

Nos detalhes do "target forward" do nosso exemplo ao lado, a empresa tem ajuste mensal que se acumula. A transação final venceria no dia 30 de junho de 2009. A empresa vende 12 opções de compra a R$ 1,73, cada uma com data de exercício no final de cada mês. A primeira coluna mostra as taxas hipotéticas para o dólar no final de cada mês: julho, agosto etc. até 30 de junho de 2009. Não dá para dizer que o banco não avisou os riscos envolvidos: deixa claro que, "em caso de ajuste negativo, ou seja, o dólar acima de R$ 1,73 no vencimento, a empresa perderá a uma razão de 2 para 1".

Também foram obtidas pelo Valor inúmeras propostas feitas pelos bancos às empresas para captação de recursos que embutem venda de opções de compra de dólar. São propostas nas quais os bancos recebem pelo crédito o que for maior: 1) taxas de 50% a 75% dos juros do Depósito Interfinanceiro ou 2) a variação cambial a partir de uma cotação pré-determinada (o preço de exercício da opção). Na verdade, esse desconto no custo da dívida é justamente o preço da opção de compra ou das opções de compra que estavam sendo compradas pelos bancos. Como o dólar vinha em movimento de queda nos últimos anos, todo esse crédito custava menos do que o DI. Agora, a situação se reverteu por completo e as perdas se acumulam.

Há rumores de que empresas médias, inclusive construtoras, e bancos médios também tomaram esse tipo de crédito de altíssimo risco. Com a sobra de crédito, o dólar em queda e a competição cada vez mais acirrada entre bancos, esses produtos foram oferecidos por cada vez mais bancos para empresas cada vez menores.

É importante notar que nos raros contratos feitos entre as partes com ajuste diário as perdas de caixa são da empresa. Mas, se os contratos não têm ajuste diário - são mensais, trimestrais ou com pagamento só no final -, são os bancos que atuaram como contraparte das empresas que precisam ir à BM&FBovespa depositar ajustes diários e mais margens de garantia toda a vez que o dólar sobe. O movimento tem contribuído para o aperto de liquidez.(Colaboraram Alessandra Belotto, Daniele Camba e Ana Paula Ragazzi)