Título: A crise atinge o coração do sistema
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2008, Finanças, p. C5

O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, disse ontem que a atual crise financeira é "um problema mundial" e que só se terá solução internacional e não de forma desordenada. Para Trichet, a crise atinge "o coração do sistema financeiro mundial", e exige combate sem bodes expiatórios, e o ""sistema deve ser totalmente reformado"". Ele recomendou a atuação consensual das autoridades nacionais na gestão da turbulência, para evitar mais pânico provocado pela desconfiança de que a situação poderia estar pior do que realmente é. Laurent Cipriani / AP Photo Jean-Claude Trichet, presidente do BCE: "Quando é o capital que caça o investimento, estamos num período muito perigoso, e foi o que ocorreu"

Ao participar de uma conferencia em Evian (França), Trichet, visivelmente cansado, sentou-se encurvado como se carregasse todo o peso do mundo sobre as costas. Quando foi ler sua palestra, manteve as mãos em sinal de oração durante boa parte do tempo e dava a impressão de ter os olhos quase fechados.

Ele colocou até uma data para o início da crise: 9 de agosto de 2007, quando o BCE teve que intervir com 95 bilhões de euros no mercado para garantir liquidez. ""A crise aí estava visível"", afirmou.

Para ele, o ""tremor de terra"" atual foi causado por subavaliação de quantidade e de preço de risco, pelos instrumentos financeiros complexos, por instituições "obscuras". O presidente do BCE insistiu que avisou sobre essa "crise original" com freqüentes alertas de que as finanças internacionais subestimavam os riscos.

"No centro disso, estava o fato de que tivemos o período de crescimento econômico mais longo, com pouca inflação, e muitos participantes do mercado nesse contexto acham que o risco tinha acabado". Para Trichet, "quando é o capital que caça o investimento, estamos num período muito perigoso, e foi o que ocorreu".

Com relação à gestão da crise, o presidente do BCE disse que só na Europa já foram adotadas 67 decisões, afora medidas especificas da União Européia, e que outras virão. Para ele, a lição clara é de que as autoridades devem impor o máximo de transparência das instituições, dos instrumentos financeiros e dos mercados para reduzir o risco sistêmico.

"A razão é que a ausência de transparência é a melhor receita para se ter o efeito de contágio quando algo explode", avisou. Mas certos analistas acham que maior transparência não reduzirá os riscos, porque, com mais firmas tendo as mesmas informações e o mesmo modelo, podem fazer a mesma coisa ao mesmo tempo - vender, parar de emprestar etc.

Trichet foi pressionado sair de tecnicalidades e dizer o que pode ser feito para reduzir o pânico, porque afinal o que existe atualmente é sobretudo uma enorme crise de confiança. A resposta foi de que "estamos fazendo a história dessa crise" em todo momento. "Fazemos tudo o que podemos para assegurar a liquidez", respondeu. "Mas há limites por exemplo nos casos de solvência. Em certos momentos, as autoridades devem estar a altura de suas responsabilidades, e estar unidas.

Kemal Dervis, diretor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), previu que os efeitos da crise na economia real serão brutais, até na América Latina que tinha se beneficiado da favorável nos últimos sete anos.