Título: Dólar cria incerteza, afeta ritmo dos negócios e deve elevar os preços
Autor: Lima, Marli; Magalhães, Heloisa
Fonte: Valor Econômico, 09/10/2008, Brasil, p. A3

O câmbio - e seus efeitos sobre os preços das mercadorias - é o principal motivo de paralisação ou incerteza entre os negócios da indústria e varejo. O setor eletroeletrônico é um dos mais afetados porque utiliza muitos componentes importados, mas também o varejo está esperando uma maior estabilidade na taxa cambial para definir o que fazer com os produtos que vêm de fora. Ana Paula Paiva/Valor Jose Roberto Campos, vice-presidente da Samsung: "Em pânico, o que se deve fazer é respirar e esperar um pouco."

A Fresnomaq, fabricante de lavadoras de alta pressão e aspiradores de pó da marca Wap, suspendeu as vendas ao varejo até que a cotação do dólar tenha mais estabilidade. Em princípio, até o dia 20 de outubro as vendas estão suspensas. Em reunião realizada na noite de segunda-feira, os diretores da empresa que fica em São José dos Pinhais (PR) chegaram à conclusão de que não teriam como definir os preços dos produtos, com cerca de 70% de itens importados. "Foi uma decisão em defesa dos ativos da empresa", disse a diretora-comercial, Edla Pavan. "Em tempo de turbulência é preciso ter cautela e preferimos voltar a negociar com os clientes quando tivermos mais segurança", completou.

A empresa fez uma carta para informar os varejistas sobre a medida. Os contratos que já existem serão cumpridos. "Se não sabemos o câmbio, não dá para fazer preço", argumenta Edla. A empresa usava o valor de R$ 1,65 por dólar e, embora tenha estoque, sabe que terá de pagar mais para fazer a reposição dele. Existe a expectativa de reabertura das vendas no dia 20, mas o prazo pode ser prorrogado.

A Samsung está mantendo os contratos firmados com distribuidores e varejistas para este fim de ano e avalia que o momento é de compasso de espera. O vice-presidente executivo da empresa coreana, José Roberto Campos, disse ontem ao Valor, pelo telefone da Coréia do Sul, que com o mercado "em pânico, o que se deve fazer é respirar e esperar um pouco para ver o que vai acontecer".

"Agora, é preciso esperar para ver como vai se estabilizar a taxa de câmbio, por exemplo. Por enquanto, o que está acontecendo é irracional, as variações estão muito rápidas e em qualquer movimento correr-se o risco de tomar a decisão errada", disse Campos. Ele frisou que está na Coréia para reuniões usuais que mantém com o comando da empresa, mas não descartou que o momento é de apreensão.

Semana passada, antes da crise financeira se agravar, em conversa com o Valor, Campos informou que as negociações para o Natal dos 160 produtos que a companhia oferece ao mercado foram fechadas em setembro, e o volume de telefones celulares já estava acertado com as teles. Já naquele momento, contudo, ele destacou que os próximos 15 dias seriam fundamentais para indicar um cenário mais claro da extensão da crise. Ele diz que o efeito direto de uma crise como essa no consumidor, principalmente de classe C e D, é medido pelo custo do crédito.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, confirmou que nos últimos dias houve uma paralisação nos negócios do setor pela dificuldade de fixar preço nos contratos devido à alta volatilidade do dólar. "O câmbio está tão instável que não tem como estabelecer quanto se vai gastar em importações e qual será o preço final", disse. Segundo ele, há empresas que estudam dolarizar seus preços para evitar grandes prejuízos. A Abinee ainda calcula o efeito dessa paralisação sobre o desempenho do setor. A previsão era crescer 12% no ano.

A rede de pequenos mercados Perini está com 12 contêineres de produtos importados parados no porto de Salvador. "Se buscarmos esses itens agora, vamos fazer o pagamento com uma cotação de dólar e euro muito alta e não teremos como vendê-los sem prejuízo ou sem elevar muito os preços", explica Pepe Faro, presidente da Perini.

Faro diz que seus colegas de varejo estão muito assustados e que há temor de que os importadores de São Paulo aumentem os preços. "Por enquanto não tivemos reajustes, mas é só uma questão de tempo. As vendas continuam bem, mas com preços maiores, não sei como vão ficar", comenta.

O presidente da Associação Paranaense de Supermercados (Apras), Everton Muffato, disse que até agora não houve repasse de preços por parte da indústria de alimentos por causa do dólar. "Mas estamos apreensivos", contou. De acordo com ele, a meta de aumento nas vendas traçada para o quarto trimestre era de 10% a 15%, mas ela foi revista nesta semana. "Esperamos agora crescimento de 10% em alimentos e de 5% em bens duráveis, por causa do crédito."

O setor farmacêutico é outro que sofre os efeitos da forte oscilação cambial, observa Orlando Samá Júnior, diretor-presidente da Torrent do Brasil, multinacional indiana da área farmacêutica. "A maior parte das matérias-primas é importada. Essa oscilação interfere nos preços do produto final e na rentabilidade", afirma Samá, observando que a depreciação do real reduz a margem de lucro que as filiais das multinacionais repassam às matrizes e isso pode desestimular investimentos no futuro.