Título: Marina contesta Minc em audiência no Senado
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 09/10/2008, Política, p. A5

Na primeira vez em que ficaram frente a frente em público, o ministro Carlos Minc e sua antecessora no Ministério do Meio Ambiente, a senadora Marina Silva (PT-AC), travaram ontem um embate pela paternidade dos principais programas desenvolvidos no setor e divergiram radicalmente sobre a qualidade da legislação ambiental em vigor.

Em tom duro, Marina deu exemplos de projetos que, embora tenham saído do papel na curta gestão de 150 dias de seu colega de partido, foram idealizados e negociados ao longo de quase cinco anos de sua administração. "Trabalho a partir de premissas que exigem métodos, processos e estruturas", disse Marina, durante audiência pública no Senado. "Devemos aprender com tudo de bom que já foi feito. Meus antecessores, mesmo sendo de outros partidos e governos, fizeram muito no cargo", reclamou. Marina citou como exemplos de "avanços" no setor, não por coincidência tocados em sua gestão, a aprovação da lei de florestas públicas, a criação do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e do Instituto Chico Mendes, além das negociações que permitiram a primeira doação de US$ 1 bilhão, pelo governo da Noruega, ao Fundo Amazônia.

"Devemos muito ao senador Jefferson Péres (PDT-AM) e a todos os antecessores no ministério", disse, ao lembrar o papel dos ex-ministros Sarney Filho e José Carlos Carvalho. "Devemos muito a eles e ao doutor Paulo Nogueira Neto por ter criado o Conama em plena ditadura militar", afirmou.

Recentemente, Marina expôs sua insatisfação com as "estocadas" de Minc que, ao referir-se ao trabalho já realizado pelo ministério, nunca deixava de apontar falhas e problemas em algumas operações. Mas a gota d"água para a senadora foi a divulgação de uma lista dos 100 campeões do desmatamento da Amazônia, quando Minc criticou a demora na publicação da relação - o que acabou provocando um forte mal-estar entre ele e o colega do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, por apontar os assentamentos da reforma agrária no topo dos desmatadores.

Irritada com as críticas veladas do sucessor, Marina Silva usou as reiteradas censuras do ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, à legislação ambiental em vigor, para dar um puxão de orelhas em Minc, que disse ser difícil cumprir as leis ambientais brasileiras, classificadas como "um cipoal". "Discordo veementemente dessas críticas. É preciso não desqualificar a legislação, que é muito boa". Unger defende a "simplificação" da legislação ambiental, o que seria essencial para acelerar o processo de regularização fundiária das terras na Amazônia.

Em tom jocoso, Marina lembrou a piada em que o sucessor de um ministro fictício culpa seu antecessor e sua equipe pelas crises que enfrentara. E arrematou: "Estou numa posição muito difícil, que é a do ministro velho".

Ao lado do colega da Agricultura, Reinhold Stephanes, o ministro Carlos Minc ouviu calado ao pronunciamento em tom de protesto da senadora. Constrangido, fez anotações, assentiu com a cabeça, mas não reagiu. Coube a Stephanes rebater Marina ao criticar o uso do conceito de Amazônia Legal, uma "ficção geográfica", segundo ele, que foi usado para restringir o acesso ao crédito dos produtores rurais em situação fundiária e ambiental irregular. Marina questionou os critérios do governo ao permitir o plantio de cana-de-açúcar em áreas consideradas prioritárias à preservação na Amazônia. Stephanes irritou-se: "Se todas as áreas fossem consideradas, fecharia o Brasil", disse. "Excluímos, sim, as áreas de alta e altíssima sensibilidade".