Título: Lamy quer gestão global da Amazônia
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 23/02/2005, Brasil, p. A6

A Amazônia e as outras florestas tropicais do planeta deveriam ser considerados "bens públicos mundiais" e submetidas à gestão coletiva - ou seja, gestão da comunidade internacional. Quem defende essa "grande questão controversa", como ele mesmo reconhece, é Pascal Lamy, ex-comissário de comércio da União Européia (UE) e candidato a diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), uma entidade-chave hoje na governança global. A Amazônia legal brasileira ocupa 60% do território nacional. Um dos mais preciosos patrimônios ecológicos do planeta, a Amazônia representa 35% de todas as florestas do mundo e avança em outros oito países da América Latina: Paraguai, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana Francesa e Suriname. Convidado pela Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa, Pascal Lamy fez uma longa e bem articulada conferência sobre as lições da Europa para a governança global, para um público de diplomatas e funcionários internacionais, na noite de segunda-feira, em Genebra. Para Lamy, a questão principal não é saber o quanto de governança global é necessário, mas como passar à ação para administrar melhor as interdependências. Ele deu exemplo de três dificuldades que subsistem na cena internacional para definir objetivos comuns: energia, ajuda pública ao desenvolvimento e bens públicos mundiais. O candidato à direção da OMC entende "bens públicos" como bens que a governança global teria por objetivo promover ou defender coletivamente em nome do interesse de todos. Segundo Lamy, economistas demonstraram que esses bens são definidos por dois critérios: a ausência de rivalidades no consumo (um consumo não diminui o do vizinho) e a não exclusão de consumidores potenciais (desde que um bem é produzido, não se pode impedir outro de se beneficiar também). Nesse contexto, Lamy indagou se "água, recursos haliêuticos (da pesca), as rotas marítimas, a camada de ozônio, as florestas tropicais, a segurança dos mercados financeiros, a saúde" figurariam entre os domínios que uma governança deve considerar como bens públicos. Terminada a palestra, Lamy foi indagado por jornalistas brasileiros se nesse contexto ele defendia a Amazônia como bem público. Depois de uma exclamação sobre a controvérsia que o tema provoca, o candidato à OMC respondeu que sim, englobando as "as florestas tropicais como um todo". Indagado sobre o que isso significa, retrucou: "Se definirmos as florestas tropicais como bem público, diante do papel fenomenal que elas têm, então se impõe um certo número de regras de gestão coletiva delas", argumentou. Questionado se, na prática, defendia desse modo a internacionalização da Amazônia, Lamy retrucou que "não se deve pensar em termos de propriedade". Ao seu ver, as regras de gestão coletiva "são perfeitamente possíveis sem tocar na questão de propriedade".