Título: Queda do petróleo é o pior pesadelo para a Venezuela
Autor: Uchoa, Rodrigo
Fonte: Valor Econômico, 09/10/2008, Internacional, p. A9

A turbulência financeira internacional deve trazer à tona o pior dos pesadelos para a Venezuela: fazer cair o preço do petróleo, principal fonte de receita do país, num momento em que os gastos públicos seguem crescendo. A advertência vem de analistas venezuelanos.

O petróleo responde por 75% da das exportações do país e por 40% do Orçamento federal da Venezuela. O preço do barril venezuelano - um petróleo pesado, mais barato por causa da dificuldade de refino - foi de US$ 101 em média neste ano. Em 2007, manteve-se numa média de US$ 64,7. Espera-se que a desaceleração nos EUA, maior importador da commodity energética, continue derrubando os preços no mercado internacional.

Asdrubal Oliveros, da consultoria Ecoanalitica, de Caracas, traça dois cenários. No primeiro, o barril de petróleo alcança uma média de US$ 85 no ano que vem. "Aí a situação seria manejável, com saldo nas transações correntes de cerca de US$ 13 bilhões."

O segundo cenário, com o barril a US$ 50 em média, é que traria os efeitos mais dramáticos, deixando um rombo nas transações correntes de mais de US$ 4 bilhões. "Os ingressos não seriam capazes de cobrir nível das importações, demasiadamente elevadas."

Segundo dados do Banco Central da Venezuela, as importações cresceram 102% em volume, na comparação entre o primeiro semestre de 2005 e os primeiros seis meses deste ano. As exportações de petróleo, por sua vez, caíram 13% em volume. Apesar de a alta do preço ter compensado plenamente esse desequilíbrio, tornou o país ainda mais vulnerável às altas e baixas da commodity, diz o economista Domingos Maza Zavala, ex-diretor do BC venezuelano.

Zavala é ainda mais pessimista que a Ecoanalitica. Para ele, o barril a US$ 80 já tornaria a situação venezuelana insustentável, e o anúncio por parte do governo, de que começará a cortar gastos, é pífio. "É preciso uma grande reforma estrutural nesse Estado hipertrofiado. E isso é urgente", diz. São os gastos públicos, porém, que vêm sustentando a demanda interna

Outro problema, apontam tanto a Ecoanalitica quanto Zavala, é o câmbio, mantido fixo pelo governo desde 2005. Para a Ecoanalitica, a moeda venezuelana está sobrevalorizada em 65% e uma desvalorização será "inevitável" se o petróleo cair demais. Para Maza, o governo cumpre à risca o roteiro de todos os governos venezuelanos anteriores ao de Hugo Chávez quando se depararam com booms do petróleo: aumentam os gastos e seguram o câmbio - quando a bonança passa, são obrigados a liberar o câmbio para conseguir mais bolívares por petrodólares.

Para Armando Leon, diretor do BC, a economia do país é forte o suficiente para Venezuela enfrentar a crise financeira internacional. Leon diz que o país não precisará desvalorizar o bolívar caso o preço do petróleo caia: "Uma desvalorização do bolívar seria absurda, pois colocaria mais dinheiro em uma economia que já tem excesso de liquidez". Uma desvalorização alimentaria ainda a inflação, que já supera 30% ao ano. Às vésperas de uma eleição regional e municipal, isso seria um risco político.

Para ele, o sistema financeiro venezuelano está "bem capitalizado". As reservas venezuelanas estão em cerca de US$ 38 bilhões. Em comparação, as do Brasil estão em cerca de US$ 206 bilhões; as do México, em US$ 91 bilhões; e as da Argentina, em US$ 47 bilhões, segundo dados dos BCs desses países.

O diretor do BC crê que a demanda da China e da Índia manterá os preços do petróleo acima dos US$ 80 o barril e que o país vai crescer mais de 6% no ano que vem. Zavala põe em dúvida essa meta de expansão: "A situação vai apertar".