Título: Amorim tenta, em reunião na Índia, destravar Doha
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2008, Brasil, p. A4

Nem a crise financeira internacional, nem os sinais de desinteresse por parte da União Européia enterraram definitivamente o esforço do governo brasileiro para tirar do limbo a Rodada Doha, de negociações para abertura de mercados da Organização Mundial do Comércio (OMC). O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, chega neste domingo na capital indiana e seu primeiro compromisso é uma reunião marcada pelo governo indiano com o ministro do Comércio da Índia, Kamal Nath. O governo indiano, cujas divergências com os EUA levaram ao colapso das discussões em julho, diz ser possível tentar um acordo até o fim do ano.

Amorim viaja a Índia para a reunião de cúpula Índia-Brasil-África do Sul, que discutirá maneiras de incrementar a relação política e econômica entre os três países. Uma das principais decisões esperadas do encontro é um acordo para melhorar a "conectividade" dos três mercados - o transporte de mercadorias, turistas e negociantes, hoje prejudicado pela falta de linhas aéreas e marítimas, custos portuários e burocracia. Os governos querem que companhias aéreas indianas e brasileiras sigam o exemplo da South África Airlines, que já liga Johannesburgo a Nova Déli e São Paulo.

As autoridades indianas garantem que o debate sobre a OMC não é apenas exercício diplomático. No cenário de transição de governo nos EUA e de incerteza nos mercados mundiais com a crise financeira, seria a única forma de assegurar avanços já obtidos na OMC em matéria de redução de barreiras comerciais, como o fim dos subsídios à exportação de produtos agrícolas, a queda em tarifas de produtos industriais e aumento nas cotas para importação sem tarifa de produtos agrícolas.

Os negociadores na OMC se esforçam para fechar até o fim do ano um acordo sobre as fórmulas de redução de tarifas sobre importados e subsídios a produtos agrícolas que distorcem o comércio. O acordo facilitaria a discussão no próximo ano para concluir a rodada, com novas regras de liberalização do comércio mundial. "Temos chance de fechar até dezembro as negociações sobre acesso a mercados para produtos industriais", diz o secretário-adjunto do Ministério do Comércio da Índia, Amarendra Khatua, encarregado das negociações sobre produtos industriais na OMC. "Só há duas questões pendentes para um acordo nesse tema, um deles é a Argentina."

A Argentina, sócia do Brasil no Mercosul, resiste às demandas dos países desenvolvidos para que um percentual significativo de produtos seja submetido aos maiores cortes de tarifas (30% das categorias de produtos importados, 40% do volume importado).

O outro único ponto pendente, diz ele, é a exigência dos Estados Unidos e União Européia para acordos setoriais, em que determinados setores teriam todos os produtos com suas tarifas reduzidas a zero. A Índia não admite deixar integralmente sem proteção contra concorrentes importados setores como têxteis, maquinário industrial e eletroeletrônicos, informa Khatua.

Para o negociador indiano, porém, esses pontos não seriam um obstáculo intransponível ao acordo, caso houvessem avançado as negociações sobre redução de tarifas e subsídios agrícolas, que considera mais difíceis.

O principal assessor de Kamal Nath nas negociações da OMC, Rahul Khullar, garante que há interesse do governo indiano e que tem esperança de ser possível um acordo até dezembro, embora um dos principais negociadores, a União Européia, tenha substituído o principal negociador europeu, Peter Mandelson, por motivos de política interna, por uma política alheia às discussões, Catherine Ashton.

A reunião dos ministros do Brasil, Índia e África do Sul deverá tratar também de fontes alternativas de energia, como resposta ao aquecimento global e o aumento do preço de petróleo. Os brasileiros receberão garantia de apoio para a campanha pelo biocombustível, por parte dos indianos - ainda que a Índia aposte com mais força no biodiesel, à base de pinhão manso, e esteja mais interessada em obter apoio do Brasil e África do Sul para projetos de energia eólica, em que o país vem se tornando um grande fornecedor.

O repórter viajou a convite da India Brand Equity Foundation.